quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O problema no cinema nacional...

Fazer cinema no Brasil é como tentar subir o Himalaia sem equipamento. Não existe incentivo algum, muito menos inteligência, por parte daqueles que comandam esta tentativa (mais uma das várias) de se formar uma indústria. Cineastas espertos, mesmo sem ajuda, acreditaram em suas ideias e utilizaram as potencialidades deste moderno mundo interconectado. “2 Coelhos” é um excelente exemplo de um projeto que ousou sair do lugar comum, usando de forma sagaz os recursos das redes sociais, abrindo inteligentemente o diálogo com seu público-alvo. O roteiro é tão bacana, que os americanos já planejam uma refilmagem. O diretor Afonso Poyart chamou a atenção dos industriais de lá, que já o contrataram (o filme “Solace”, que estreia em 2014, com Anthony Hopkins no elenco). O mesmo aconteceu com o José Padilha, que com “Tropa de Elite”, provou que conseguimos fazer uma obra de ação eletrizante, com direito a um protagonista marcante, que entrou para a cultura pop nacional.

O maior problema (não o único) no cinema nacional é o roteiro. Problemas técnicos graves, como o áudio, já superamos, mas não possuímos uma boa “escola” de roteiristas. Com raras exceções, as produções versam sempre sobre os mesmos temas (afinal, a maioria de complexados cineastas brasileiros quer ser Godard e não Billy Wilder), como se os realizadores tivessem medo de arriscar, elemento fundamental em qualquer atividade cultural. A nossa indústria precisa adaptar a criatividade visando não exceder os limites de verba, o que possibilitaria a criação de obras de ficção-científica calcadas nos diálogos (como “Stalker”, de Tarkovski), obras de terror psicológico (como os trabalhos iniciais de Roman Polanski) ou obras de fantasia lúdica, como o recente “Indomável Sonhadora”. Filmes que atraiam o público, não somente os familiares dos realizadores. Depois que já tivermos estabelecido uma indústria autossustentável, daí podemos partir para voos mais alternativos (como ocorre em Hollywood, por exemplo), intercalando uma obra popular (não “populista”) de um super-herói nacional (que trará lucro, ocasionando a necessária sustentabilidade), por exemplo, com um drama familiar denso e intimista.

O José Wilker deu algumas entrevistas onde enaltece o trabalho da “Globo Filmes”, afirmando que ela “tem feito grandes benefícios” à produção nacional. Ele também defende uma atuação governamental para criar novas salas e modernizar os equipamentos audiovisuais, o que demonstraria que o governo leva o cinema a sério. São duas afirmações que se opõem. O que nutre uma indústria não é o quantitativo, mas sim a formação de um público criterioso. A maior parte do público que enche os cofres da “Globo Filmes” hoje, não faz a mais remota ideia do que seja a Sétima Arte, pois a reconhece apenas como aquele divertimento rápido, colorido e barulhento, que os entretém entre o atender de um celular e a última pipoca mastigada. Eles não vão à sala escura para conhecer personagens potencialmente interessantes. O problema já citado, sobre os roteiros, nem é percebido por este público. Acendem-se as luzes e eles se levantam sem recordarem sequer os nomes dos personagens. Em uma indústria já estabelecida e autossustentável, não haveria problema algum. Nenhum americano ia assistir aos filmes do Jerry Lewis e do Dean Martin, esperando não reconhecê-los nos personagens. Os roteiros eram bobinhos, para que eles tivessem a chance de realizar suas peripécias costumeiras. Mas já na década de 50, os norte-americanos davam aula de competência com sua indústria cinematográfica, enquanto nós lutávamos para manter viva a chama criativa da Atlântida e da Vera Cruz. Discordo do Wilker quanto à benesse que o populismo oferta à produção nacional. Os filmes de Amácio Mazzaropi eram populares e precários em vários sentidos, mas nunca populistas. Eles refletiam a forma de pensar de seu autor (“Portugal… Minha Saudade”, onde ele critica o tratamento aos idosos por seus filhos, por exemplo), um bravo sonhador que buscou formar uma indústria. Já as produções da “Globo Filmes”, que conquistam bilheterias monstruosas (somente devido à extensa divulgação em todos os tentáculos da empresa), não incitam nenhuma forma de atitude em quem assiste. Exatamente o oposto, sendo, em grande parte, completamente (e terrivelmente) inofensivas. O pior tipo de estímulo que um filme pode incitar em seu público: a indiferença.

Para cada obra-prima como "O Som ao Redor" (de Kleber Mendonça Filho), multiplicam-se como Gremlins, porcarias como "Crô". Sem formar em longo prazo um público minimamente interessado e criterioso, não teremos uma indústria de cinema de nível competitivo. Com o poder mercadológico da “Globo Filmes”, não seria maravilhoso se eles utilizassem todos os seus tentáculos de marketing na promoção de filmes bons, dos mais variados gêneros? Cinema é a arte da tentativa e erro, mas os produtores brasileiros querem conquistar para ontem, o status que as indústrias estrangeiras demoraram décadas de plena dedicação para conseguir. E reclamamos, pois nós adoramos nos colocar como os pobres coitados em tudo. Nossas novelas (e não estou discutindo a qualidade desta forma de arte) são consideradas as melhores do mundo. Ninguém faz novelas com a qualidade dos brasileiros. Mas você não lê sobre produtores de novelas americanas (e eles possuem algumas que duram décadas), pedindo para que seus produtos obtenham mais espaço no mercado exterior. As novelas brasileiras são transmitidas em Portugal com muito sucesso, mas nenhuma novela portuguesa é transmitida aqui (e teriam que ser dubladas, já que grande parte do povo não compreende a pronúncia. Que vergonha…). Eles reclamam e posam de pobres coitados? Temos que provar com competência a qualidade de nosso trabalho, buscando empatar o jogo, sem ficar mendigando a utilização de uma variação do sistema de cotas. 

Precisamos fazer bons filmes, com roteiros de qualidade. Voltando ao Wilker, não poderia desligar meu senso criterioso e “passar a mão na cabeça” de seu primeiro trabalho na direção, pois estaria fazendo um desserviço à arte e ao amor que eu sei que ele nutre por ela. “Giovanni Improtta” possui um roteiro fraquíssimo (de Aguinaldo Silva e Mariana Wilker), escrito por pessoas que demonstram pouca noção de como funciona a linguagem cinematográfica. Uma produção com orçamento de 6 milhões, que foi o mesmo valor (em dólares) utilizado por James Cameron no primeiro “O Exterminador do Futuro” (1984) e muito mais do que os 100 mil utilizados por George Miller em seu “Mad Max” (1979) ou os 27 mil utilizados por Kevin Smith em seu “O Balconista” (1994). Muitos clássicos que entraram para a História da Arte, sendo referenciados no mundo todo, foram produzidos com orçamento baixo, como “Rocky”, “Halloween” e “American Graffiti”. O cinema nacional precisa de boas ideias (e roteiristas competentes que as transportem para as páginas), não de grandes orçamentos. E, mais que isto, o cinema nacional precisa formar um público qualitativo, que valorize esta arte e conscientemente antecipe a estreia do novo filme do cineasta “x”. Lixo entregue em grande quantidade apenas fede. Precisamos parar de procurar esconder incompetência e amadorismo por trás do confortável véu de vítimas das circunstâncias.

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