quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Jacques Tati


Jacques Tati era um genial arquiteto de sonhos. Desde a primeira vez que assisti aquele adorável “Sr. Hulot”, tive a clara impressão de estar vivenciando um mundo onírico. Pouquíssimos diálogos, sons ambientes exagerados, a forma como os personagens caminham (como o encarregado da limpeza das ruas em “Meu Tio”, que nunca consegue realmente realizar seu ofício, sempre tendo sua atenção desviada para algum elemento) e o ritmo sempre contemplativo, como se pedisse nossa total atenção. Cada detalhe é importante, assim como cada ser que habita um plano (que poderiam até ser emoldurados, de tão ricos) de Tati possui uma função. O espectador que busca gargalhar, já começa de forma equivocada (estes e os que assistem por obrigação escolar, são os primeiros a afirmarem seu ódio por este cineasta), pois sua mente programada busca aquele padrão já conhecido de comédia, frustrando-se já nos primeiros minutos. O ser humano não aprecia o que é novo, preferindo rir do mesmo bordão conhecido todos os dias.

Existem poucos diretores/atores de humor que podem ser chamados de refinados artesãos (Tati e Jerry Lewis são os que me vêm à mente), pois trabalham além das características de seus personagens, moldando com o mesmo esmero todo o ambiente que o circunda. As “piadas” quase sempre são elaboradas com riqueza de minúcias, como aquela de “Meu Tio” (Mon Oncle – 1958), quando Hulot suja a sola de seu sapato direito e acaba deixando um rastro de pegadas brancas no escritório onde procura emprego, inclusive no banco da gerente e na mesa, quando ele tira o sapato do pé e por deslize repousa-o nela. Ele leva o público a crer que o desfecho será simples, inserindo então algumas olhadas da mulher que o atende, em direção a uma janela superior que está parcialmente aberta (isto é feito com muita sutileza, somando-se ao fato de nossa atenção estar sendo direcionada para outros elementos da cena). Quando acreditamos que a cena terminou, Tati nos prova sua genialidade ao fazer com que a gerente o encaminhe ao salão do lado, dizendo com ironia: “para que não seja preciso o senhor fazer tanta ginástica” (ela acredita que ele subiu na mesa para poder averiguar o que ocorria na sala ao lado, pela janela). Percebemos então ao revisitarmos a cena, o cuidado que ele teve ao estruturar cada movimento, cada gesto.

Outro fator essencial na filmografia de Tati é a inteligente crítica feita à sociedade. No filme já citado, que considero sua obra-prima, demonstra de forma muito simples a mediocridade daqueles que vivem de aparência e ostentação. Uma dona de casa obsessiva por limpeza, que reformou sua casa com a tecnologia mais moderna (tão desconfortável que a faz assistir TV sentada no jardim), simplesmente para poder exibi-la, com a formalidade de um corretor de imóveis, aos vizinhos. O ápice de criatividade é o horroroso chafariz em formato de peixe, instalado em um jardim que mais parece o mitológico labirinto do rei Minos. Dependendo da importância do convidado, aciona-se ou não o chafariz (que fica sempre desligado), conduzindo a situações hilárias (como com a chegada do “vendedor de tapetes”). Neste microcosmo fútil e excessivamente organizado, Hulot torna-se um elemento de rebeldia (emulado por Peter Sellers em “Um Convidado bem Trapalhão”) e necessário caos.

Assistam Tati e percebam muitos outros toques geniais deste artesão do humor, que será eterno na mente dos apaixonados pela Sétima Arte.

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