quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

"Close-Up", de Abbas Kiarostami


Close-Up (Nema-ye Nazdik - 1990)
Ao escrever sobre o falecimento de Abbas Kiarostami (leia aqui), revelei que o único filme dele que realmente me marcou positivamente foi “Close-Up”. Eu consigo pinçar cenas brilhantes em toda sua filmografia, mas essa foi a única experiência plenamente satisfatória que tive com sua obra. Ele conseguiu extrair grandes reflexões, fazendo com que a espinhosa dificuldade conceitual desse docudrama parecesse simples. O argumento nasceu após a leitura de uma matéria sobre Hossain Sabzian, um fã de cinema sem histórico criminal que se fez passar pelo famoso cineasta Mohsen Makhmalbaf, cujo trabalho ele admirava. A família que o entregou à polícia temia que ele tivesse intenção de praticar alguma maldade, mas a razão para sua atitude era passional, o homem simplório e usualmente desprezado desejava ser tratado de forma especial. Ele busca na vivência da rotina de outrem a inspiração para elevar o nível de sua própria existência. Kiarostami então convida todos os envolvidos nessa manchete jornalística, inclusive o próprio impostor, para reencenar o ocorrido.

O drama real de Hossain havia sido transformado em espetáculo para vender jornais, “Close-Up” redime sua imagem ao tornar seu sonho uma realidade, exatamente ao transformar realidade em ficção, objetivando, toque genial, conhecer a verdadeira identidade do preso e a origem de suas motivações, algo que um documentário convencional não conseguiria, provavelmente encontraria resistência no próprio observado, ou como o próprio diretor afirma: “Em alguns casos, para ater-se à verdade é necessário trair a realidade”. O primeiro encontro de Kiarostami com Hossain na delegacia para abordar a ideia do projeto, filmado à distância como se fosse um documentário investigativo, não passa de uma óbvia recriação ficcional. Até mesmo a longa sequência de julgamento no tribunal soa irreal, já que o diretor faz questão de se mostrar bastante intrusivo, questionando o réu diante do juiz, manipulando emocionalmente a cena com a edição e a montagem. O homem que usou por tanto tempo a ilusão como escapista forma de expressão agora fala com plena consciência da presença da câmera. Grande parte do que é visto nessa sequência foi filmado horas depois do término do julgamento, sem a presença do juiz, com Hossain abordando diretamente sua identificação com o cinema, mostrando sua consideração por “O Viajante”, de Kiarostami, revelando que se sente como a criança da trama, que finge tirar fotos com uma câmera sem filme, tentando juntar dinheiro para ver um jogo de futebol. O sono a impede de realizar seu objetivo, o cansaço natural causado pelo esforço de manter a mentira. E Hossain desabafa afirmando que sente que também perdeu o jogo.

O terceiro ato promove o belo encontro entre a realidade e a ilusão, o impostor passeia na garupa da moto de Mohsen em uma jornada rumo ao perdão da família que o desmascarou. O caso real que conquistou a simpatia de Kiarostami teve um final poético: Hossain se tornou um personagem e teve sua imagem eternizada, os membros da família enganada, que buscavam no impostor uma ponte para o estrelato, engoliram a vergonha do ocorrido e conseguiram participar do projeto de um diretor renomado, um filme de verdade, enfim, o cinema, indústria de sonhos, proporcionou a redenção de todos. 

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