terça-feira, 5 de julho de 2016

Minha relação com a obra de Abbas Kiarostami


Ao ler sobre o falecimento do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, minha mente me conduziu a um fim de tarde perdido em minha adolescência. Como era costumeiro no início do boom da internet, eu estava ansioso pra começar mais uma maratona de filmes outrora impossíveis de achar em videolocadoras, baixados em boa qualidade com legendas em inglês por aquela ferramenta maravilhosa. O escolhido da semana havia sido Kiarostami, minha curiosidade era tremenda, já tinha lido muito sobre seus trabalhos. 

Os dois primeiros títulos selecionados para aquele dia: “Gosto de Cereja” (T’am e Guilass – 1997) e “Close-Up” (Nema-ye Nazdik – 1990). Ah, como eu gostaria de ter visto eles em ordem inversa. Eu sempre tentava, em respeito à minha paranoia sistemática, acompanhar a progressão natural dos realizadores, mas a Palma de Ouro em Cannes recebida pelo primeiro falou mais alto. O caso é que odiei “Gosto de Cereja”, amaldiçoei o júri e cheguei a cogitar postergar a maratona. Não estou sozinho nessa, o colega crítico norte-americano Roger Ebert só faltou xingar os antepassados do diretor em seu texto, deu a cotação de uma estrela. Eu não fui tão radical, o que senti estava mais próximo de uma profunda decepção pelo potencial que a obra me passou, o roteiro feito quase todo em improviso mostrava um suicida buscando alguém que se responsabilizasse por jogar terra em seu corpo. Sem interesse no investimento emocional do público, o roteiro não revela nada sobre as razões dessa atitude extrema, o homem vivido por Homayoun Ershadi é um completo estranho para o espectador. Após um primeiro ato bastante contemplativo, quase beirando o tédio insuportável, fiquei apaixonado pelo discurso de um dos passageiros, um taxidermista que tenta fazer o motorista repensar sua decisão contando anedotas e mostrando como ele foi salvo de um ato igual por uma deliciosa amora, que sua mão tocou enquanto ajeitava a corda no galho para se enforcar. Pena que o desfecho, ponto que irrita até mesmo os defensores mais ferrenhos, jogue no lixo as poucas reflexões propostas, abraçando uma metalinguagem pretensiosa, mal desenvolvida. O segundo filme do dia, pelo contrário, insere uma reflexão profunda em uma moldura despretensiosa, um resultado que me agradou mais e me fez compreender a grandeza do diretor. Ao documentar um acontecimento criminal e convencer os envolvidos a reencenar os eventos que o antecederam, Kiarostami evidencia a simplicidade inerente às melhores ideias. A emoção brota naturalmente no terceiro ato, algo pouco usual em sua filmografia, o que me leva a indicar “Close-Up” como ótimo ponto de partida para os interessados. Se o diretor não tivesse feito mais nada em sua carreira, esse belo tratado sobre a relação entre a arte e a vida já o posicionaria entre os nomes mais importantes do cinema. 

No dia seguinte vi “Onde Fica a Casa do Meu Amigo?” (Khane-ye doust kodjast? – 1988) e “Através das Oliveiras” (Zire darakhatan zeyton – 1994), eu me lembro de ter checado bastante o meu relógio de pulso nas sessões, o que não considero um bom sinal. Seus últimos filmes, “Um Alguém Apaixonado” (Like Someone in Love – 2012) e “Cópia Fiel” (Copie Conforme – 2010), produtos muito inferiores, não fazem justiça ao talento que encontrei em “Close-Up”. Como espectador, agradeço por ter apresentado ao mundo seu colega Jafar Panahi, que começou como seu assistente, adepto de um estilo que me encanta, obras menos umbilicais, com maior empatia pelo público. Não estaria sendo sincero se afirmasse que Abbas Kiarostami está entre meus cineastas favoritos, mas estaria sendo um tolo se ignorasse o impacto de pedaços de suas obras, um todo que é definitivamente melhor que a soma de suas partes. 

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