quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

"Creed: Nascido Para Lutar", de Ryan Coogler


Creed: Nascido Para Lutar (Creed - 2015)
Com uma estrutura similar a do recente “Star Wars – O Despertar da Força”, a trama reaproveita basicamente o esqueleto narrativo do filme original, com inserções de trechos que remetem aos melhores momentos das sequências. Não é original, nem pretende ser, o diretor/roteirista Ryan Coogler busca homenagear o histórico da franquia, emocionar os fãs antigos e abrir possibilidades para possíveis continuações. O que importa é analisar o grau de eficiência dessa tentativa. O passo mais arriscado, o elemento novo, representado pelo personagem vivido por Michael B. Jordan, o filho de Apollo Creed, é um tremendo sucesso. O ator é competente, tem carisma, e o contexto psicológico em que ele é mostrado, da infância complicada em reformatórios juvenis, passando pela negação da figura paterna, até a oportunidade de ouro no boxe, é uma jornada interessante, talvez não tanto quanto a do cobrador de agiota que se recusa a agredir pessoas fora dos ringues, apaixonado pela tímida atendente de pet shop.

Mas não há necessidade dele ser o foco da atenção, temos a presença do próprio Rocky Balboa, em mais uma entrega honesta de Sylvester Stallone, um ótimo ator que, somente agora, com o aval da premiação no Globo de Ouro e o aplauso da crítica internacional, verá boa parte do público se sentindo finalmente confortável em elogiar. A realidade é que Stallone, além de eficiente roteirista e diretor, já havia provado ser um ator competente em “Os Falcões da Noite”, de 1981, e “Copland”, de 1997, além do fato de ter mais carisma no dedo mindinho, do que muito ator hypado pelos pseudointelectuais. Voltando a abordar o filme, outro ponto arriscado, a substituição do compositor Bill Conti, o responsável por uma das trilhas sonoras mais icônicas da história do cinema. O sueco Ludwig Göransson consegue criar um tema poderoso para o protagonista, uma melodia que reflete a vulnerabilidade emocional de um rapaz no caminho do entendimento do perdão, mas, também, estabelece a mesma pegada inteligentemente simples e empolgante da fanfarra imortalizada por Conti. É uma trilha que complementa musicalmente o legado cinematográfico de Rocky. 

O interesse romântico, assim como a ideia de que o que importa não é vencer, mas, sim, manter-se vivo na luta, revidando os golpes da vida até o soar do gongo final, é parte fundamental na mitologia da franquia. Não são filmes sobre boxe, as lutas são utilizadas como alegorias para conflitos que todos nós vivenciamos no nosso cotidiano. Tessa Thompson vive uma cantora que sofre com perda gradual de audição, um drama que não é tocado pelo roteiro com mão pesada, o que é sempre uma atitude bem-vinda, porém, a jovem é esquecida no terceiro ato, o que prejudica a conexão emocional. Basta você se lembrar da Adrian na luta do original, aquele momento em que ela fecha os olhos por um tempo, enquanto escuta o som dos golpes no corpo de seu namorado, a carga emocional que essa breve cena silenciosa carrega, intensificada pela composição bem estruturada da personagem nos dois primeiros atos. Em “Creed”, a paixão do casal soa um pouco forçada, construída de forma rápida. Fica faltando uma sequência como a da solitária patinação no gelo, onde Rocky e Adrian se mostram vulneráveis. Adonis e Bianca vendem bem o aspecto do desejo natural, mas o companheirismo não é trabalhado de forma orgânica no roteiro.

O ponto mais fraco é a figura insossa do antagonista, o lutador Tony Bellew, sem carisma e defendendo um personagem que não vende ser uma ameaça no ringue, tampouco, uma personalidade que incite no público o necessário ódio. Ele é o oponente mais apático da franquia, conseguindo bater a insignificância representada por Tommy Morrison e Mason Dixon. Com o senso de ameaça existindo apenas em teoria, sobra para o público focar sua atenção na relação que se forma entre Adonis e Rocky, o coração pulsante do filme. Nesses momentos de interação, com inserções muito eficientes de humor, é que “Creed” se torna grande, mais do que um filme, um evento da cultura pop. Sem revelar muito, o que me impossibilita de aprofundar a análise sobre a amizade dos dois, afirmo que as lágrimas me tomaram de assalto em, pelo menos, três sequências. O respeito com que Coogler abordou a mitologia do personagem, mostrando conhecer muito bem cada curva da jornada dos seis filmes anteriores, transparece especialmente nessas cenas, nunca resvalando no sentimentalismo barato.

É um reboot disfarçado? Sim, em vários aspectos. Mas quisera todos os filmes originais que são produzidos, muitos deles direcionados ao umbigo dos realizadores, exalassem pelo menos 1/3 desse profundo amor pelo próprio material, ou fossem medianamente eficientes em suas propostas. “Creed”, assim como os melhores filmes na franquia, é uma experiência emocional incrivelmente satisfatória. 

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