Ela não foi somente uma das atrizes mais belas que a Sétima Arte
apresentou ao mundo, como também foi um dos mais citados exemplos de dignidade
e caráter no meio artístico. Audrey Hepburn era a antítese de Marilyn
Monroe. Enquanto a diva dos cabelos dourados representava uma vulgaridade
ingênua e provocante, a franzina morena simbolizava a elegância e nobreza,
quase uma princesa. Não surpreende que seu primeiro papel tenha sido exatamente
a de uma princesa que, entediada com uma vida sem surpresas, foge de seu palácio
em busca de um amor verdadeiro, no clássico de William Wyler: “A Princesa e o
Plebeu” (Roman Holiday – 1953). Ela conquistou crítica e público sem nenhuma
conotação sexual envolvendo sua personagem. Os papéis que ela defendia,
diferente de grande parte das atrizes da época, não eram modelados visando
conquistar o público masculino, com decotes generosos ou atitude sensual.
Hepburn era puro carisma. Impossível tirar os olhos dela. Seus filmes mais famosos são “Bonequinha de Luxo” (Breakfast
at Tiffany´s – 1961), “Minha Bela Dama” (My Fair Lady – 1964), o ótimo “Sabrina”
(1954) e “Cinderela em Paris” (Funny Face – 1957).
Em “Bonequinha de Luxo”, o roteiro de Truman Capote foi
completamente suavizado, deixando o produto final açucarado demais na visão do
próprio escritor. Excetuando-se o lindo momento ao som de “Moon River”, de Henry
Mancini, que os produtores chegaram a cogitar cortar do filme, no que Audrey se
revoltou e afirmou: “só por cima do meu cadáver”, o romance se apresenta um
tanto quanto esquemático, com uma participação grosseira de Mickey Rooney como
o chinês mais estereotipado que o cinema já mostrou. Cada vez que ele aparece
em cena, não consigo conter a vergonha alheia. Esse embaraçoso elemento, além de um
apático George Peppard, foram, com o tempo, me afastando da obra. Em seus filmes mais conhecidos do grande público, ela sempre
se apresentou, em pequena ou grande escala, como uma variação de sua personalidade. Era
sempre a bela e ingênua jovem que vivia nos sonhos refletidos nas vitrines da
Tiffany´s, que encontrava um homem culto e disposto a tranformá-la numa mulher
da alta sociedade, uma princesa, ou como a editora de uma revista de moda que
acaba dançando com Fred Astaire, um sonho para quem iniciou a carreira como bailarina. Por esse motivo, muitos cinéfilos chegam a
desmerecer seu trabalho, salientando apenas seus méritos humanitários como
embaixadora da UNICEF.
Meu filme favorito dela não é dos mais conhecidos, mas é a prova indiscutível de que ela era uma atriz
brilhante e inteligente. “Uma Cruz à Beira do Abismo” (The Nun´s Story – 1959), de Fred Zinnemann, é exatamente tudo o que não se esperaria de uma diva daquela
época. Um drama biográfico onde ela vive uma jovem idealizadora que decide
virar freira. Muitas atrizes de seu tempo ousaram investir em personagens
altamente sexualizados, ou onde pudessem extravasar seus méritos físicos, porém, Hepburn escolheu se minimizar. Ao se enclausurar no hábito opressivo de uma freira,
demonstrou ao mundo sua competência. Na maior parte do filme,
somente seu rosto fica visível, e ela consegue transmitir nos olhos uma variação
de emoções que Monroe nunca conseguiria. Nesse momento ela mostrou ao mundo que
pertencia a uma classe superior, digna de se sentar ao lado de Bette Davis no
Olimpo das melhores atrizes de seu tempo. A obra de Zinnemann também se mostra eficiente ao mostrar
com exatidão de detalhes os bastidores de um convento e da preparação das
jovens freiras. Não fica nada a dever aos bons filmes de terror, posso garantir. Uma crítica requintada a um sistema que vende palavras de amor, porém, é
revestido por uma lista de preceitos que negam o próprio sentimento.
Audrey faleceu aos 63 anos, deixando um legado de belas ações
humanitárias em várias partes do mundo. Grande parte do público identifica-a
como a caricatura do mundo fashion, porém, sempre que penso nela, lembro-me da
maravilhosa cena final de “Uma Cruz à Beira do Abismo”, onde, durante alguns
minutos e sem diálogo, aquela jovem belga demonstrou para uma multidão de
detratores, que seu talento era maior que sua beleza.
Excelente texto, meus filmes favoritos dela são My Fair Lady e Sabrina.
ResponderExcluir