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Grease – Nos Tempos da Brilhantina (Grease – 1978)
O primeiro contato que eu tive com o filme foi, por volta
dos nove anos, através de sua adaptação literária, escrita por Ron de
Christoforo e lançada pela editora Record, um dos livros que meu avô materno
guardava em sua casa na região serrana, onde eu costumava passar as férias
escolares. Um detalhe nele que me intrigava era a chamada na capa: Ilustrado
com fotos do filme. Eu folheava com toda atenção, mas nunca encontrei sequer
uma ilustração. Falha do livro, que instigou ainda mais minha curiosidade. Era
uma época sem internet, vale ressaltar. Nessa época, eu não conhecia as
músicas, nunca tinha assistido qualquer cena. Conheci a trama de uma forma
totalmente desassociada da relevância da obra na cultura pop. Eu não imaginava
as canções sendo entoadas nos momentos específicos nas páginas, apenas
embarquei naquela história nostálgica de amor.
Os anos foram passando e eu acabei escutando as canções mais
famosas, enquanto estava bebendo generosamente da fonte de Elvis Presley e dos
Beatles, apaixonado por aquele período histórico que é celebrado no projeto.
Fiz minha mãe me levar na loja de CD’s do Shopping Center, quando ainda eram
templos enormes do bom gosto, para adquirir a trilha sonora. A vendedora
brincou comigo, achou esquisito aquela criança com interesse em um “filme tão
antigo”, como ela disse. Quando eu inseri o CD no computador, uma grata
surpresa, uma faixa multimídia com trechos das canções interpretadas no filme.
Eu, enfim, iria assistir algo daquele universo que povoou minha imaginação desde
a leitura do livro. É difícil transmitir a sensação, mas eu me lembro de sentir
angústia, já que nenhum trecho estava completo, exibia apenas alguns segundos. “Hopelessly
Devoted to You” iniciava depois do refrão, “Greased Lightning” terminava antes
dele, era terrível. Nenhuma locadora tinha o VHS, torcia para que passasse na
televisão. Acabei assistindo pela primeira vez e gravando numa fita que viria a
se deteriorar, se não me falha a memória, numa “Sessão da Tarde” global. O
resultado: Imitei os trejeitos de Danny Zucko pelo resto do ano na escola. Quando
alguns poucos colegas se reuniam em volta de mim na hora do recreio, por
qualquer motivo, eu me imaginava cantando “Summer Nights”. Na aula de educação
física, tentava correr mais rápido que os outros, para impressionar minha
Sandy, uma linda menina que nem sabia que eu existia.
A abertura, ao som de “Grease”, cantada por Frankie Valli,
em animação, já coloca o espectador no clima perfeito, demonstrando que a caricatura
é o tom escolhido pelo diretor Randal Kleiser, elemento captado inteligentemente
nas coreografias de Patricia Birch e simbolizado no desfecho com o carro voador.
A química entre John Travolta e Olivia Newton-John carrega a produção nas
costas, disfarçando bem o fato de que são adultos interpretando
pré-adolescentes que se comportam como pré-adolescentes. Qualquer outro casal
poderia ter estragado a imersão. A trilha, fundamental, acerta ao apostar nos
clássicos: “Blue Moon”, “Hound Dog”, deixando espaço também para referências
metalinguísticas ao próprio cinema, como “Love is a Many Splendored Thing”,
tema de “Suplício de Uma Saudade”. “Sandy”, entoada melancolicamente por
Travolta, sentado em um balanço, nos remete diretamente a uma vertente clássica
do rock, as canções que homenageiam no título as musas que fizeram o roqueiro
descobrir que tinha coração, após percebê-lo despedaçado. Como esquecer “Beauty
School Drop-Out”? Uma bonita homenagem a um dos grandes símbolos da era dos
filmes de praia, como “Beach Party”, Frankie Avalon, que sempre fazia par com a
adorável Annette Funicello.
É interessante a forma como o roteiro trabalha o arco
narrativo da personagem Sandy, conduzindo-a durante todo o filme como um
estereótipo clássico das heroínas dos musicais grandiosos de Hollywood, educada
e gentil, para transformá-la ao final em uma rebelde grosseira e sexy, uma
crítica divertida às resoluções dos musicais da era de ouro do rock, que, em
teoria, adotavam uma atitude rebelde, porém, na realidade, sempre davam um
jeito de adequar os protagonistas ao padrão comportado da sociedade. Os
personagens rebeldes de Elvis, por exemplo, podiam começar o filme arrebentando
bares e tocando o terror, mas, inevitavelmente, acabavam como os genros que
toda mãe queria para suas filhas. Sandy joga fora seu vestidinho de boneca e
entra pra gangue da jaqueta de couro, transformando o líder dos rapazes, o
arrogante falastrão dos T-Birds, em uma donzela em perigo. Até o gestual de
Travolta, no início da ótima “You’re The One That I Want”, pode ser considerado,
de forma proposital, exageradamente efeminado.
A primeira vez que vi Grease foi no cinema mesmo. Tinha cinco anos e a capacidade absurda de se encantar que é própria das crianças. Desde então, aquelas canções, aquele figurino, aquele John Travolta nunca mais me abandonaram. Aos poucos, fui percebendo a carga subversiva desse musical recheado de citações e magia, nada inocente. O filme foi crescendo e crescendo. Hoje, penso que é uma obra que dialoga perfeitamente com seu tempo real de produção - os anos 70 e sua iconoclastia - ao mesmo tempo que mantém uma relação de amor com o cinema. Delicado e ácido. Engraçado e inteligente. Inesquecível. Um filmaço.
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