segunda-feira, 14 de julho de 2014

Azul é a Cor Mais Quente


Azul é a Cor Mais Quente (La vie d'Adèle - Chapitres 1 et 2 - 2013)
A polêmica adaptação da graphic novel de Julie Maroh recebeu a Palma de Ouro em Cannes no meio do furacão social causado pela legalização do casamento homossexual. É uma pena que o burburinho acerca do filme envolva suas longas cenas explícitas de sexo, já que teoricamente o coloca no mesmo patamar de várias outras produções apelativas e vazias do mundo todo. Isso não favorece aqueles, provavelmente grande maioria, que irão às sessões buscando satisfazer esse estímulo, pois estarão tensos procurando nudez gratuita, enquanto o ótimo retrato intimista e nada panfletário sobre maturidade sexual proposto pelo diretor tunisiano Abdellatif Kechiche, será relegado para segundo plano. Seu projeto anterior “Vênus Negra”, já havia me impressionado pela coragem em estilo e substância, mas acredito que ele tenha conseguido elevar o nível.

Seus invasivos close-ups emolduram quase sensorialmente a trajetória de descobertas da jovem Adèle (Adèle Exarchopoulos, em promissora estreia), que percebe não sentir interesse pelos rapazes com quem tenta flertar. Constatação que culmina num simples passeio pelas ruas de Paris, onde o vislumbre de um casal afetuoso de lésbicas, especialmente a segura Emma (Léa Seydoux), que ostenta corajosa cabeleira azul, acaba causando-lhe profunda angústia e reavaliação interna. Ao invés de focar-se na batalha psicológica de alguém em revelar sua homossexualidade em um mundo preconceituoso, algo cinematograficamente mais óbvio, o roteiro inova ao ir além e discutir os desafios inerentes de um casal após a “saída do armário”. Nós acompanhamos a protagonista em sua rotina diária, em tomadas que a mostram dormindo, fantasiando sonhos eróticos, comendo e entretida em conversas fúteis, estabelecendo uma gradativa conexão emotiva, onde ela se revela mediante a exposição de seus medos e a consequente superação deles.

Diferente de Emma, que é uma artista independente que se nutre da liberdade para a realização de seu trabalho, Adèle é uma simples menina tímida e reprimida por uma sociedade machista, com objetivos de vida inofensivos e que não necessitam do elemento da ousadia. O atrito sexual desses dois polos tão díspares resulta em uma fascinante explosão de cumplicidade, com corpos que se exploram vorazmente, analisada pela câmera voyeur com interesse antropológico. E o relacionamento transcorre de maneira realística, sem se esquivar dos problemas que ocorrem em qualquer relação de intimidade, evitando um erro cometido em vários projetos de temática similar, onde promovem a celebração do amor homossexual como algo melhor (uma vertente do que Spike Lee faz com relação aos negros, por exemplo, lutando pela exaltação da diferença ao invés da homogeneização). Inserindo na discussão o conceito existencialista de Jean-Paul Sartre, o objetivo principal dessa excelente obra fica claro: apontar a hipocrisia que leva o público a se chocar com as cenas de amor, enquanto se mostram indiferentes à brutal estupidez da homofobia. 

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