domingo, 29 de junho de 2014

A cultura da massificação ordinária

Nossa sociedade já foi mais inteligente. Ou na realidade seria esta afirmação mais um caso clássico em que a nostalgia, que possui o poder de embelezar tudo o que toca, remove todas as más recordações, deixando a impressão de que estamos sempre vivendo em épocas menos interessantes que a de nossos antepassados?

Não estaria nossa ignorância apenas tendo maior visibilidade, graças às redes sociais e a possibilidade, profetizada por Andy Warhol, de todos terem direito a seus quinze minutos de fama? Tenho pensado bastante nessa questão, analisando o histórico de nossa Arte, em especial a cinematográfica, e acredito ter chegado finalmente a uma conclusão satisfatória: nosso real problema não é puramente intelectual, mas também físico, com a maldita preguiça. O comodismo está destruindo nossa sociedade. Para que estimularmos nossa imaginação, adentrando no mundo proposto pelo cineasta, chegando a sentir até os odores, já que podemos simplesmente colocar um desconfortável óculos e ter a sensação fajuta de imersão com o 3D? Percebam como esse artifício está crescendo em popularidade.

Décadas atrás uma pessoa poderia passar dias tentando descobrir, por intermédio de conversas com vizinhos e ligações para aqueles familiares mais refinados, o nome de um filme antigo ou o sobrenome obscuro de algum artista famoso. Nunca me esqueço da mãe de um amigo meu, voltando da rua com “meio palmo de língua para fora”, frustrada de uma cansativa ida à biblioteca onde tentava encontrar um livro “x”, que poderia ajudar a encontrar uma informação “y” sobre um assunto, sei lá, “b”. Hoje em dia, bastaria ligar o computador e conseguir a informação em menos de dois minutos. Mas aí entra o problema: temos a ferramenta, mas não existe mais o interesse. Exatamente no momento mais maravilhosamente excitante de nossa jornada na Terra, quando as facilidades tecnológicas aproximaram continentes e homens, esses seres curiosos perderam completamente o interesse em aprender qualquer coisa. Senhoras se limitam a passar seus dias compartilhando nas redes sociais fotos de bichinhos fofos e notícias falsas, enquanto jovens divertem-se passando adiante correntes bobas e aprimorando uma técnica que consiste em escrever propositalmente errado, usando a desculpa de que é um artifício facilitador na comunicação pela internet. Não leem livros porque falta tempo, o que é compreensível já que passam dias inteiros enviando indiretas no Facebook ou narrando a conhecidos e completos estranhos, pelo Twitter, episódios tolos do seu cotidiano. A mesma ferramenta pode entregar, gastando os mesmos poucos segundos, uma obra literária ou um aplicativo bobo, que você nem lembrará que usou daqui a algumas semanas. Essa é a maior ironia de nosso tempo.

A desgraçada preguiça pode ser sentida também nos filmes de terror, em que toda a criação elaborada de clima, estabelecendo os propósitos dos personagens e seus conflitos, esquecidos em prol do imediatismo mastigado dos efeitos, os sustos, esquecendo-se das causas. Qual o intuito de ler trezentas páginas de uma obra da Agatha Christie, já que podemos abrir logo no último capítulo e descobrir o assassino? Qual a razão de exercitarmos nosso lado “arqueólogo”, descobrindo com prazer livros interessantes em sebos, já que podemos posar momentaneamente como intelectuais para nossos amigos, dizendo que estamos lendo a biografia do Steve Jobs, ou qualquer outro “livro da moda”, mesmo que nunca tenhamos tido nenhum interesse na vida do biografado ou em seu ofício antes de sua morte?

A sociedade dá valor aos TT´s no Twitter, sem se importar que eles normalmente envolvam temas completamente irrelevantes. A cultura da massificação ordinária infelizmente sobrepujou a elegância do refinamento pessoal. Os “quinze minutos de fama” de um vídeo de dez segundos onde um garoto mostra seu mamilo recebe enorme atenção e repercute internacionalmente, enquanto vídeos sérios que tratam de temas importantes são esnobados. A Sétima Arte reflete nossa sociedade com incrível perfeição. Caso olhemos atentamente o panorama atual desta Arte, perceberemos nossas recônditas fragilidades em cada problema que salientamos. A celebração exagerada do 3D, a péssima qualidade dos recentes filmes de terror, a falta de ousadia dos roteiristas, entre muitos outros. O espelho reflete apenas o que se põe à sua frente, portanto sejamos mais criteriosos e respeitemos nossa curta jornada nesta aventura fantástica e misteriosa chamada: Vida.

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