A licantropia já foi utilizada no cinema como analogia para
a puberdade e para a crise da meia-idade, no fraco “Lobo”, com Jack Nicholson,
até mesmo para aqueles infectados pelo HIV, como é o caso de Remus Lupin,
imaginado pela escritora J.K. Rowling em sua saga “Harry Potter”. Diferente de
outros monstros clássicos, não possui um cânone estabelecido, sendo imaginado
desde a mitologia grega e tendo passado por vários “gatilhos” que explicavam a
razão da transformação, o que motivou diversas interpretações ao longo dos
anos. Por necessitar de muita caracterização, quase sempre os produtores
decidem se focar nesse aspecto visual, deixando a criatividade narrativa em
segundo plano. Existem muitos filmes sobre o tema, mas em sua maioria são esforços
medíocres ou que não resistem em uma revisão. Para organizar essa lista eu revi
cada produção, selecionando sem pensar no senso comum que se forma sempre entre
os cinéfilos.
Esses são os meus dez filmes favoritos sobre lobisomens:
10 – A Noite do Lobisomem (El Retorno Del Hombre Lobo –
1980)
Somente aqueles cinéfilos mais apaixonados pelo gênero irão conhecer a saga
espanhola do trágico Waldemar Daninsky, vivido em doze produções pelo
halterofilista Jacinto Molina, ou Paul Naschy, como ficou conhecido fora de seu
país. Com um orçamento mais generoso, esse é o único da série que realmente
oferece um entretenimento de qualidade, colocando-o em confronto com uma
vampira. A fotografia gótica é o melhor elemento, estabelecendo um excelente
clima de pesadelo. A interpretação visceral de Molina, considerado o Lon Chaney
espanhol, pode ser considerada uma das melhores já captadas pelas lentes do
cinema.
9 – A Maldição do Lobisomem (The Curse of The Werewolf –
1961)
O único projeto sobre lobisomens dos estúdios Hammer mantém o estilo elegante
de suas produções, ainda que não possa ser comparado em qualidade aos
protagonizados pelo vampiro de Christopher Lee. Como opção à frente de seu
tempo, recurso utilizado recentemente na série “Hemlock Grove”, a licantropia
no personagem vivido por Oliver Reed é produto de sua concepção, tornando a
situação da vítima ainda mais trágica. Nesse caso, foi utilizada uma analogia
para o trauma de um abuso sexual, já que o garoto nasceu de um estupro. Esse
aspecto reforça o interesse maior no desenvolvimento das motivações, em
detrimento de cenas de ação, o que pode não agradar aqueles que buscam apenas a
violência.
8 – Dog Soldiers – Cãos de Caça (Dog Soldiers – 2002)
Caso essa lista fosse formada pelas melhores cenas de ação com lobisomens, esse
filme estaria em primeiro lugar. O diretor Neill Mashall, antes do sucesso com
“Abismo do Medo”, consegue estabelecer um ritmo frenético com boa construção de
suspense, como uma versão hardcore de “O Predador”. Lobisomens perturbadoramente
altos e longilíneos compõem um visual novo e eficiente, outro mérito da obra
que merece ser destacado. O problema é que, excetuando a adrenalina nas cenas
dos confrontos entre os militares e os monstros, não há absolutamente nada no
roteiro que eleve o projeto a algo mais que um ótimo videogame.
7 – Possuída (Ginger Snaps – 2000)
Esse projeto canadense parecia ser mais uma tolice visando o público jovem, mas
já me surpreendeu de forma positiva inicialmente pelo excesso de “gore”, algo
que o gênero parecia ter esquecido com o advento da computação gráfica. A
protagonista vivida por Katharine Isabelle é atacada por uma fera selvagem,
para o desespero de sua irmã, que luta para libertá-la dessa maldição. Sobram
críticas à alienação adolescente e o conformismo, num viés espertamente
feminista. Foram feitos dois filmes que mantiveram o nível, um sequel e um
prequel, formando uma trilogia respeitável e que, pela abrangência de temas
que suscita, como relacionamento de pais e filhos, transcende o próprio subgênero.
6 – A Maldição da Lua Cheia (The Boy Who Cried Werewolf –
1973)
Esse é muito pouco lembrado, mas me marcou profundamente quando assisti na
televisão vários anos atrás, ainda que não tenha sentido medo. É uma produção
barata, foi exibida nos Estados Unidos em sessão dupla com a pérola trash “O
Homem Cobra”, que passava sempre no “Cinema em Casa” do SBT, mas compensa a
ausência de sangue com um leitmotiv perturbador. Uma espécie de “Kramer Vs.
Kramer”, com o divorciado pai sendo a vítima da mordida de um lobisomem,
perante os olhos apavorados de seu filho pequeno. Por trás da licantropia
imaginada em tom fabulesco, podem-se perceber temas pesados, como a analogia da
maldição com o alcoolismo e os efeitos devastadores em uma família fragilizada,
especialmente no psicológico de uma criança.
5 – Um Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf
in London – 1981)
Caso essa lista fosse formada pelas melhores cenas de transformação, esse filme
estaria em primeiro lugar. A lenta agonia do protagonista, enquanto presencia
seu corpo sendo modificado grotescamente ao som de “Blue Moon”, cantada por Sam
Cooke, inegavelmente é um dos melhores momentos já captados no gênero. O
trabalho prostético de Rick Baker foi tão eficiente, que até nos esquecemos de
como o roteiro é falho. O exagero no humor, especialidade do roteirista e
diretor John Landis, acaba minimizando o impacto de vários momentos com
potencial, como a abertura que remete ao clima dos filmes dos estúdios
Universal.
4 – O Lobisomem (The Wolf Man – 1941)
O filme, fora de seu contexto, não é o melhor dentre os clássicos da época,
como “Drácula”, “A Múmia”, “O Homem Invisível” e “Frankenstein”. Mas a
importância dessa incursão dos estúdios Universal é tremenda, já que moldou
muitas das particularidades que o personagem viria a apresentar nos esforços
seguintes. A interpretação de Lon Chaney Jr., com a ajuda impecável do
maquiador Jack Pierce, definiu para toda uma geração o conceito da licantropia,
incluindo a ideia da clássica transformação nas noites de lua cheia, a infecção
pela mordida e a periculosidade fatal da prata. Elementos criados pelo
roteirista Curt Siodmak, que muitos acreditavam equivocadamente que havia se
inspirado em lendas ciganas, copiados à exaustão até hoje.
3 – Grito de Horror (The Howling – 1980)
A maioria dos filmes sobre lobisomens abordam indivíduos amaldiçoados pela
licantropia, normalmente em locais isolados. Esse projeto do diretor Joe Dante
foi inovador por imaginar eles vivendo juntos, como um grupo social, em plena
cidade. Outro aspecto interessante foi se desviar do clichê da relutância ao
bestial, mostrando que existem pessoas que adorariam abusar desse poder
destrutivo. E o excelente trabalho prostético de Rob Bottin somente é superado
pelo realizado por Rick Baker em “Um Lobisomem Americano em Londres”. As
transformações de Bottin ganham em realismo por causa da fotografia mais
escura, que esconde melhor as limitações da época. E, diferente do citado
clássico de Landis, considero mais ameaçador lobisomens bípedes.
2 – A Companhia dos Lobos (The Company of Wolves – 1984)
O diretor Neil Jordan, que anos depois viria a firmar seus pés com igual
competência no cânone dos vampiros, com “Entrevista com o Vampiro”, realiza uma
mistura surreal perfeita de fábula e horror. Deixando de lado qualquer premissa
já estabelecida, ele bebe direto da fonte mitológica com total liberdade
criativa. Ele compreende que, muito antes de Hollywood se apoderar da criatura,
ela já existia no inconsciente coletivo do povo, então seu interesse reside nos
alicerces psicológicos que asseguram sua longevidade. O roteiro busca
referências no conto da “Chapeuzinho Vermelho”, utilizando a figura do lobo
como simbolismo do desejo sexual, “gatilho” na transição da puberdade para a
vida adulta. A atmosfera onírica é conquistada por mérito do designer de
produção Anton Furst , do “Batman” de Tim Burton.
1 – A Hora do Lobisomem (Silver Bullet – 1985)
Subestimada adaptação do livro de Stephen King, responsável pelo roteiro, que
transmite um clima único, um misto de nostalgia e pavor, valorizado pela ótima
trilha sonora de Jay Chattaway. Corey Haim vive uma criança paralítica, que é
perseguida por descobrir o terrível segredo de sua cidadezinha de interior: um
padre querido por todos, mas que na realidade é um lobisomem. O conceito em si
já é ousado e sombrio. Claro que ninguém acredita no menino, que acaba
recebendo inicialmente o apoio da única pessoa que não tem crédito algum,
sequer entre seus familiares, o tio bêbado vivido por Gary Busey. São vários elementos
fascinantes, como a cadeira de rodas motorizada, que rende ao filme uma de suas
melhores cenas, a da perseguição noturna pela floresta. Munido apenas de poucos
morteiros, com um transporte frágil que pode desligar a qualquer momento, o
garoto terá que enfrentar o temido lobisomem.
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