Link para os textos do especial:
Disparo para Matar (The Shooting – 1966)
A trama começa com o pistoleiro Willet, vivido por Warren
Oates, chegando a um acampamento de mineração. Ele encontra um jovem, vivido
por Will Hutchins, que fala e age como uma criança amedrontada. O rapaz explica
ao pistoleiro que, durante sua ausência, um dos seus parceiros havia sido
assassinado por um atirador desconhecido, após a partida inesperada do irmão de
Willet, alguém que atende pelo sugestivo nome: “Coin” (Moeda). No dia seguinte,
uma mulher, vivida pela bela Millie Perkins, chega ao acampamento e oferece farta
recompensa aos dois, caso aceitem guiá-la através do deserto. Um jovem Jack
Nicholson, emulando o vilão vivido por Jack Palance em “Os Brutos Também Amam”,
passa então a seguir o grupo, com intenções enigmáticas.
O clima vai ficando cada vez mais onírico, quando percebemos
no longo trajeto que, ao invés de encontrar sinais de que existe uma cidade
próxima a ser alcançada, parece que o grupo se afasta cada vez mais da
civilização, adentrando uma espécie de limbo existencial, onde as definições de
tempo começam a não ter importância. O roteiro de Carole Eastman, sob o
pseudônimo de Adrien Joyce, já demonstra as qualidades que a fariam ser
indicada para o Oscar alguns anos depois, pelo ótimo “Cada Um Vive Como Quer”
(Five Easy Pieces). Filmado com luz natural pelo diretor de fotografia Gregory
Sandor, generosamente aproveitando a dimensão do cenário, invariavelmente posicionando
os personagens como diminutos grãos de areia, potencializando os aspectos
metafóricos da jornada de penitência empreendida pelo personagem de Warren Oates,
que eventualmente se encontrará com seu outro lado da moeda, com um toque alucinatório
sobrenatural.
A direção de Monte Hellman trabalha as charadas visuais com
os pés fincados na realidade, deixando qualquer possível interpretação a cargo
do espectador. O interesse dele é confundir, não explicar. Seria a mulher um “espírito”
vingador do passado? Em certo momento é dito de forma despretensiosa que Coin
matou uma pessoa pequena, provavelmente uma criança. Seria Coin, numa
interpretação mais óbvia, o irmão gêmeo de Willet, ou, como prefiro acreditar, uma
versão do próprio personagem do pistoleiro atormentado ao encarar profundamente
o seu abismo nietzschiano interior? É interessante que ocorra no impactante
final uma experimentação com o tempo fílmico, com a utilização da câmera lenta
e do freeze frame, passando de forma eficiente aquela sensação que temos
segundos antes de despertar de um sonho, ou, no caso do protagonista, um terrível
pesadelo.
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