Mesmo se Nada der Certo (Begin Again - 2013)
O roteirista e diretor irlandês John Carney repete aqui a
fórmula de seu sucesso “Apenas Uma Vez”, mostrando o relacionamento amoroso por
um viés de sutil doçura, contrastando com o excesso de beijos sôfregos dos
romances da linha de produção americana. Nessa proposta, o ápice de uma cena
romântica pode ser uma troca de olhares ou um toque das mãos, o foco está no
sentimento que motiva a ação. Essa escolha pode incomodar aqueles que aguardam
ansiosamente pelos clichês do gênero, defendidos normalmente por protagonistas
de motivações fúteis e sem nenhuma complexidade psicológica.
Todos os personagens são apresentados como seres pensantes, até anarquistas, na
espiral descendente de suas vidas, mas, abraçando a contramão dos arcos
narrativos redentores, que invariavelmente culminam em pouco críveis finais
felizes, o roteiro se desenvolve na satisfação deles pela aceitação desses
obstáculos como necessários no desenvolvimento de suas personalidades, naquele
elemento que os diferencia numa sociedade formada, cada vez mais, por seres
emocionalmente padronizados. Onde todos buscam a felicidade numa projeção
utópica, eles aprendem que os reveses são também parte importante da vida.
Gretta (Keira Knightley) e Dan (Mark Ruffalo) estão encarando uma profunda decepção
profissional, com seus nobres ideais de carreira artística dando lugar à
autocomiseração. Ele, um produtor musical falido, ela, uma compositora que
perdeu toda a confiança em seu talento, após ser abandonada pelo namorado. O
encontro dessas duas almas desesperançadas ocasiona, com o auxílio da bela
trilha sonora, uma redenção poética. Sobra espaço ainda para uma corajosa
crítica ao cenário musical atual, simbolizada pela presença de Adam Levine, da
banda “Maroon 5”, interpretando com tinta forte um músico que trocou
conscientemente sua integridade criativa pelo vazio do sistema industrial, que
cria ídolos de barro imediatistas e canções com curto prazo de validade.
É sempre prazeroso encontrar obras no gênero que recusem o conformismo
sensorial, entregando relacionamentos críveis e verdadeiramente humanos.
Costumo dizer que vejo mais robôs nos romances hollywoodianos do que nos filmes
dos Transformers. A química entre o casal é cativante, as canções são de
singela beleza, mas destaco a mensagem subliminar na cena que registra a
declaração de resistência artística dos jovens, gravando seu disco nas ruas de
Nova York, com aquela doce voz enfrentando a balbúrdia grosseira que a oprimia
outrora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário