segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Cine Noir - "Alma em Suplício"

Link para os textos do especial:



Alma em Suplício (Mildred Pierce – 1945)
O início do filme é espetacular, com a trilha de Max Steiner sendo interrompida pelo som dos tiros, seguido pelo tombar do corpo do personagem vivido por Zachary Scott, que pronuncia o nome da misteriosa protagonista. A forma como o roteiro, que adapta a ótima obra dramática de James M. Cain, o mesmo de “Pacto de Sangue”, para a estrutura pulp do Noir, incluindo o elemento do assassinato e a narração em flashback, sutilmente insere dicas sobre o mistério em pequenas atitudes, com a bela fotografia em preto e branco do genial Ernest Haller, trabalhando influências do expressionismo alemão, atuando praticamente como um personagem, tornando as revisões ainda mais prazerosas. É valorosa a coragem do roteiro, indo contra a censura do código Hays, de não fugir da insinuação de incesto entre a jovem filha, seu padrasto e a mãe. Ainda que a Mildred de Joan Crawford seja uma de suas melhores atuações, empalidece perante a complexidade de sua contraparte literária, uma mulher capaz de intensamente amar e odiar a filha. A adaptação mais fiel foi realizada recentemente, numa produção da HBO, com Kate Winslet.

A direção sempre precisa de Michael Curtiz, meticulosamente trabalhando o suspense na intenção de, como um ilusionista, fazer o público esquecer certos momentos, não perdeu sua contundência. Nos primeiros cinco minutos nós somos apresentados a uma cena de assassinato onde não vemos o assassino. Normalmente o foco é direcionado apenas para o preenchimento da lacuna detetivesca: “quem matou?”. O que torna o filme uma obra-prima no gênero é exatamente a audácia de inserir vários outros conflitos psicológicos na mesma sequência, como a verdadeira razão que leva a protagonista a tentar o suicídio, que serão revelados no sensacional desfecho. Claro que, devido à época em que foi feito, alguns dos truques de ilusão são, na realidade, manipulados de forma grosseira. O público da estreia não iria rever o filme diversas vezes no conforto de suas casas, então certos detalhes essenciais na resolução do enigma não eram percebidos, como a maneira com que a vítima fala o nome da protagonista na cena inicial, com um sentido totalmente diferente do que a maneira com que é falado na repetição posterior.

Um fato triste na produção, que simboliza bem o racismo da época, a participação de Butterfly McQueen, que havia atuado seis anos antes no épico “E o Vento Levou”, como uma estereotipada empregada doméstica que se mostra desajeitada até para atender um telefone. O impressionante é que, mesmo sendo presença marcante no filme, a atriz negra não foi incluída nos créditos. 

* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Classicline".

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