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Alma em Suplício (Mildred Pierce – 1945)
O início do filme é espetacular, com a trilha de Max Steiner
sendo interrompida pelo som dos tiros, seguido pelo tombar do corpo do personagem
vivido por Zachary Scott, que pronuncia o nome da misteriosa protagonista. A
forma como o roteiro, que adapta a ótima obra dramática de James M. Cain, o
mesmo de “Pacto de Sangue”, para a estrutura pulp do Noir, incluindo o elemento
do assassinato e a narração em flashback, sutilmente insere dicas sobre o mistério
em pequenas atitudes, com a bela fotografia em preto e branco do genial Ernest
Haller, trabalhando influências do expressionismo alemão, atuando praticamente
como um personagem, tornando as revisões ainda mais prazerosas. É valorosa a
coragem do roteiro, indo contra a censura do código Hays, de não fugir da
insinuação de incesto entre a jovem filha, seu padrasto e a mãe. Ainda que a
Mildred de Joan Crawford seja uma de suas melhores atuações, empalidece perante
a complexidade de sua contraparte literária, uma mulher capaz de intensamente amar
e odiar a filha. A adaptação mais fiel foi realizada recentemente, numa
produção da HBO, com Kate Winslet.
A direção sempre precisa de Michael Curtiz, meticulosamente
trabalhando o suspense na intenção de, como um ilusionista, fazer o público
esquecer certos momentos, não perdeu sua contundência. Nos primeiros cinco
minutos nós somos apresentados a uma cena de assassinato onde não vemos o
assassino. Normalmente o foco é direcionado apenas para o preenchimento da
lacuna detetivesca: “quem matou?”. O que torna o filme uma obra-prima no gênero
é exatamente a audácia de inserir vários outros conflitos psicológicos na mesma
sequência, como a verdadeira razão que leva a protagonista a tentar o suicídio,
que serão revelados no sensacional desfecho. Claro que, devido à época em que
foi feito, alguns dos truques de ilusão são, na realidade, manipulados de forma
grosseira. O público da estreia não iria rever o filme diversas vezes no
conforto de suas casas, então certos detalhes essenciais na resolução do enigma
não eram percebidos, como a maneira com que a vítima fala o nome da
protagonista na cena inicial, com um sentido totalmente diferente do que a
maneira com que é falado na repetição posterior.
Um fato triste na produção, que simboliza bem o racismo da
época, a participação de Butterfly McQueen, que havia atuado seis anos antes no
épico “E o Vento Levou”, como uma estereotipada empregada doméstica que se
mostra desajeitada até para atender um telefone. O impressionante é que, mesmo
sendo presença marcante no filme, a atriz negra não foi incluída nos créditos.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Classicline".
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