"Os Trapalhões" foi um grupo cujo trabalho, especificamente no cinema, exerceu
profunda influência nesta paixão que alimenta diariamente minha inspiração. Os
críticos da época ignoraram seus esforços, porém este sempre foi o tratamento
usual a tudo que era intensamente popular (e,diferente do que esta expressão
significa hoje, havia muita qualidade nos produtos de fácil acessibilidade, não
eram popularescos). Eu tive o prazer de poder acompanhar seus filmes nos cinemas, vibrando em cada
lançamento. Acompanhava-os em todas as mídias, colecionava suas divertidas
revistas em quadrinhos e assistia a seus programas na televisão. Quatro artistas completamente diferentes, cuja química inexplicável provocava a
imediata empatia. Não tinha como olhar para essa trupe e não escancarar um
largo sorriso, como que antecipando que anarquia eles iriam aprontar.
Renato Aragão e Manfried Sant´Anna repetiam o clássico
estilo: galã (escada)/bobo (como Jerry Lewis e Dean Martin), amalgamando a ele
um humor circense tipicamente brasileiro. Os filmes que realizaram juntos não
sobreviveram bem ao tempo (assim como muitos da fase inicial de Lewis e Martin),
mas vale destacar os dois melhores deste período: “Robin Hood – O Trapalhão da
Floresta” (1973) e “O Trapalhão na Ilha do Tesouro” (1974), ambos dirigidos
pelo ótimo iugoslavo J.B. Tanko (responsável pelos melhores filmes do quarteto).
Antônio Carlos, como o hilário “Guarda Azevedo” (Azevedis), rouba a cena na
sátira “O Trapalhão no Planalto dos Macacos” (1976). Interessante perceber que
ainda havia uma preocupação em explicar sua forma de falar (como na cena em que
Milton Carneiro o corrige repetidamente), falhando em entender que “Mussum” era
uma força irrepreensível da natureza, bastava colocá-lo defronte uma câmera,
com ou sem roteiro. O filme perdeu o frescor e muitos elementos não funcionam
mais, com exceção de todas as cenas em que ele se faz presente, tão simpáticas
e engraçadas como em seu ano de estreia. No ano seguinte, o trio realizaria
aquele que considero o melhor trabalho desta fase inicial: “O Trapalhão nas
Minas do Rei Salomão” (direção de J.B. Tanko), repetindo a parceria com a bela Monique
Lafond (que já havia participado de “Bonga – O Vagabundo”, “Aladim e a Lâmpada
Maravilhosa” e “Robin Hood – O Trapalhão da Floresta”). Qual criança da época
não se emocionou com a tristeza de Pilo (Aragão) carregando em seus braços o
corpo desfalecido do cãozinho Lupa? Lembrança cinematográfica infantil quase
tão traumática quanto a morte da mãe de “Bambi”. Claro que o final é feliz,
fazendo uso da fantasia que emoldurava todas as tramas das obras do grupo, numa
época em que o País necessitava de orgulho próprio (esportistas eram moldados
midiaticamente para serem personagens mitológicos – com “temas musicais
vitoriosos”, por exemplo). “Serra Pelada tem mais ouro que areia”, como citado
em uma de suas músicas, exemplifica bem a importância motivacional do grupo em
seu contexto social. “Didi” não terminava somente vencendo os vilões e salvando
a donzela em perigo, mas também rico! Com a chegada de Mauro Gonçalves, no
experimental e fraco “O Trapalhão na Guerra dos Planetas” (1978), era inserido,
com seu caricato “Zacarias”, o elemento inocente e infantil, um misto mineiro
de Harpo Marx e Stan Laurel.
Já a derradeira terceira fase cinematográfica causa em mim
um dilema: são filmes que, passionalmente, me emocionam pela nostalgia (foi a
época em que eu, criança, assistia-os no cinema), porém, racionalmente,
constato que foi o período mais fraco. Obras como “Os Fantasmas Trapalhões” (1987),
“Os Heróis Trapalhões” (1988) e “Uma Escola Atrapalhada” (1990) são uma coleção
de equívocos (Gugu Liberato como protagonista heroico, índios voadores, “product
placement” das formas mais absurdas possíveis, Supla e “Grupo Dominó”?), mas
existem raras exceções, como “O Casamento dos Trapalhões” (dirigido por José
Alvarenga Jr., em 1988), com a bela Nádia Lippi repetindo a parceria de “O
Trapalhão na Arca de Noé” (1983), que consegue ser tão divertido quanto suas
produções do início dos anos oitenta. Existem momentos nestas últimas produções
do quarteto, como a chegada de “Mussum” no baile à fantasia (no fraco “A
Princesa Xuxa e os Trapalhões”, de 1989) ou a relação de amizade entre ele e um
“Grunk” carente (em “Os Trapalhões na Terra dos Monstros”, de 1989), que são
como lampejos daquele humor esperto que os levou a serem abraçados pelo povo.
Qualquer um destes filmes, mesmo os da inferior terceira fase, são melhores que
as atuais produções cômicas popularescas produzidas pela “Globo Filmes”. Aliás,
nestes tempos tão chatos do hipócrita “politicamente correto” (que impede filmes
de terror à tarde na TV, mas convenientemente nada faz para impedir que
pastores evangélicos exorcizem demônios no mesmo horário), sinto falta do “Quero
morrer pretis!” ou o clássico “Preto é seu passadis”, que “Mussum” sempre
soltava antes de beber seu “mé”. Enquanto muitos críticos exaltam “Os Três
Patetas”, nunca achei muita graça neles. Sou muito mais “Os Trapalhões”, um
quarteto de elementos tão contrastantes que é impossível de ser imitado.
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