Estava revendo o ótimo "O Palhaço" e acabei me lembrando de um evento que me causou desgosto alguns anos atrás. Em uma aparição pública na Mostra de Cinema de
Tiradentes, Selton Mello confirmou ter sido convidado para aparecer em “Star Trek - Além da Escuridão” de J.J. Abrams, porém declinou da oferta porque iria
ser apenas mais um uniformizado a bordo, na tripulação da nave Enterprise.
A declaração não deixava claro se ele seria apenas um figurante ou
se o seu personagem teria ao menos alguma fala, o que já seria muito, se
pensarmos que a eterna Uhura, Nichelle Nichols, por vezes nem isto tinha
nos episódios da Série Clássica. Quando soube desse fato, lembrei-me de outras declarações
semelhantes dadas por artistas brasileiros (se não me falha a memória, Fernando
Meirelles afirmou outrora ter recusado dirigir um projeto da franquia "007"),
percebendo nelas algo sintomático. Onde está o orgulho em recusar participação, por ínfima que seja, em um projeto da maior indústria de cinema do mundo? Não
é comum escutarmos artistas publicamente informando terem recusado
participações em filmes indianos ou chilenos, somente nos blockbusters americanos
ou britânicos.
A mentalidade complexada de grande parte dos cineastas
nacionais de décadas passadas costumava afirmar com orgulho “não se vender". Lembro-me da pressão que a mídia fez em cima de Rodrigo Santoro, quando ele
aceitou um pequeno papel sem falas no filme “As Panteras 2”. O Selton recusou
participar de uma produção que celebrava um legado de mais de quarenta anos,
respeitado no mundo inteiro, mas não pareceu incomodado em ter seu nome ligado à
série: “A Mulher Invisível”. Uma pessoa tem o direito de recusar participar do
que achar conveniente, mas não consigo entender esse senso criterioso, que
rejeita com pompa uma oportunidade (mesmo que pequena, uma
ótima vitrine) na maior indústria de cinema, mas aceita protagonizar uma
aberração como “Federal”. Por outro lado temos o caso de Angelina Jolie, uma
atriz consolidada mundialmente, que pediu para trabalhar com o
diretor Pedro Almodóvar, demonstrando incrível humildade e tremendo bom gosto.
Pensando em tudo isso, lembrei-me de quando revi “Orfeu
Negro” (1959) de Marcel Camus e constatei o quanto ele foi injustiçado nesse País. Enquanto ele é visto com respeito no exterior, aqui é ignorado. As
críticas mais comuns ao filme, quando vindas de brasileiros, afirmam que a obra
peca por ser uma ofensiva caricatura (o mesmo ocorreu na animação
despretensiosa de Carlos Saldanha: “Rio”). Como podemos explicar essa rejeição
por parte de alguns críticos brasileiros? “E o Vento Levou” não apresenta uma visão
caricatural dos americanos na época da Guerra Civil? Os mesmos críticos que
salientam esta fragilidade no filme de Camus parecem não perceber o mesmo problema
no clássico de Selznick. Poucas vezes li algum crítico nacional reclamar das
interpretações caricaturais nos filmes de Spike Lee, ou tirar o mérito de “Nascimento
de Uma Nação”, pela visão horrenda e racista (era o contexto da época) do
diretor D.W. Griffith.
Tenho uma teoria para as razões por trás desse ódio velado
por “Orfeu Negro”: ele fez sucesso. Brasileiro metido a intelectual odeia quem
faça sucesso popular. Nós adoramos destruir nossos ídolos. Procurar defeitos,
desvalorizar e celebrar seu esquecimento. Elevá-los aos píncaros da glória,
somente para “chutar a escada” e nos deliciarmos assistindo-os desabar. Tem
diretor brasileiro que quando começa a fazer sucesso e receber convites para
trabalhar no exterior, adora inflar o peito e dizer com orgulho que negou tal
desonra. “Eu? Filmar a nova aventura de 007? Nunca!” José Padilha fez fama
nacional com o ótimo “Tropa de Elite”, mas foi só ele dizer que iria dirigir
a refilmagem americana de “Robocop”, que já teve gente dizendo que ele não era tão
bom assim. Em breve, considerando a qualidade da produção, o povo irá afirmar que ele se vendeu tal qual Pelé. Aliás,
enquanto na Argentina o povo ama Maradona, mesmo ele sendo um péssimo exemplo como homem,
por aqui o que mais encontramos é gente criticando o Pelé, procurando (e dando
máxima atenção a) qualquer deslize, por ínfimo que seja, misturando o profissional com o pessoal.
Somos um povo complexado por natureza. Se a Lady Gaga fosse
brasileira, seria vítima de gozação dos intelectuais por suas letras, tal qual
a Banda Calypso. Se o 50 Cent fosse brasileiro e cantasse em
português: “quem transa comigo, transa com um cafetão”, seria visto com repúdio
pelos nossos críticos musicais, os mesmos que debocharam do Michel Teló e
seu “Ai se eu te pego!”. Porém o que vemos é um completo silêncio por parte
deles. Quem cala consente? Enquanto os estrangeiros celebram, exageradamente
por vezes, seus personagens vitoriosos e os nossos (como foi o caso com “Senna”), os
brasileiros celebram os pobres coitados.
O panorama artístico nacional é vergonhoso. Celebramos os
valores mais baixos, os personagens mais medíocres. “Cidade de Deus” já caminha para um
futuro esquecimento, com críticos que já não o acham aquela maravilha que
parecia antes da consagração mundial. Ninguém mais fala de “Central do Brasil”,
mas tenho certeza que seria muito pior se ele tivesse ganhado o Oscar. “Orfeu
Negro” foi dirigido por um francês, mas é essencialmente um filme brasileiro.
Recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas levou tanta pedrada dos
críticos da época, que hoje poucos são os brasileiros que conhecem sua existência.
A campanha de desvalorização foi tão bem feita (e tão injusta) quanto a que a
crítica musical fez com Wilson Simonal na década de setenta.
Qual a razão desse nacionalismo tolo? Normalmente
disseminado pelas mesmas pessoas que consomem diariamente produtos estrangeiros
com muito orgulho. Pensemos grande e sejamos cidadãos do mundo.
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