A cada ano, mais avanços tecnológicos nos distanciam dos
elementos humanos, aproximando-nos de um futuro onde tudo se consegue em um
piscar de olhos. Distâncias geográficas perdem seu valor, continentes se
aproximam, enquanto nos distanciamos cada vez mais de nossos próprios corações.
Parece roteiro de filme apocalíptico, mas é algo real e que nos faz questionar:
qual será o futuro da Sétima Arte?
Antigamente o cinema simbolizava mais do que apenas um local
onde se exibiam filmes, era parte de um ritual, uma celebração da humanidade.
Pessoas das mais distintas origens e índoles se reuniam em um mesmo ambiente,
para algumas horas de puro entretenimento. Com os avanços tecnológicos, aquele
receptáculo de emoções foi perdendo lugar para a TV, para o VHS, para o
Blu-ray. Hoje fica difícil até encontrar os bons cinemas de rua e teatros, já
que quase todos viraram igrejas evangélicas. Quem diria que no espaço onde
Chaplin demonstrou ao mundo sua genialidade e pureza de espírito, hoje se
ouviriam os berros de falsos endemoniados? Esse é o legado que deixaremos ao amanhã?
Eu acredito em um futuro melhor, foi esta a esperança que aprendi a alimentar
desde criança com a Sétima Arte. Vejo a humanidade utilizando a tecnologia sem
limites, porém respeitando os patrimônios culturais. Em sonhos imagino as
enormes placas de “sessão de descarrego”, dando lugar novamente aos nomes de
artistas em néon. Uma ingenuidade “Hitchcockiana” em pedir que ninguém conte
aos amigos o final do filme, para preservar respeitosamente a emoção de todos.
Eu acredito no futuro desta Arte, assim como acredito na evolução do ser
humano.
“Quem tem imaginação, mas não tem cultura, possui asas, mas
não tem pés.“
(Joseph Joubert)
(Joseph Joubert)
Conheço pessoas que se dizem apaixonadas por cinema, mas que
desconhecem toda e qualquer forma de Arte anterior ao cinema em cores. Visitam
a videolocadora religiosamente a ponto de terem feito amizade com o atendente,
porém somente alugam os lançamentos das seções de “Ação” e “Comédia”. Alguns
escolhem mediante a capa ou o ator principal, influenciados quase sempre pelos
dizeres em caps lock que promovem: “O MELHOR FILME DO ANO!” Nove
entre dez obras carregam essas citações em suas capas. Fazendo um balanço
anual, possivelmente essa pessoa assistiu muito mais produções que um
espectador casual, independente que esta lista seja formada por 50% de
produções do Steven Seagal (ou seus similares), 40% de comédias popularescas
americanas e uns 10% de romances açucarados, que teve que alugar por ordem da
esposa ou namorada. Esse homem pode ser considerado um cinéfilo legítimo?
Caso paremos para analisar, enquanto esse comportamento é
aceitável entre espectadores, torna-se um martírio constatar que muitos
cineastas atuais (no mundo todo) pensam da mesma forma. A grande realidade é
que existe uma boa parcela de diretores e produtores (operadores desta
indústria) jovens, que atuam hoje no cinema mundial e possuem um ínfimo
conhecimento sobre a história da Sétima Arte. Para cada cinéfilo devotado como
Quentin Tarantino, existem dez incompetentes e oportunistas. Não faço parte
daquele núcleo de críticos de cinema “chatos”, que idolatram Godard e desprezam
obras que visam apenas o lucro financeiro. Sendo bem sincero, entre Godard e
Billy Wilder, sem pestanejar escolho a filmografia de Wilder. Porém acho essencial conhecer profundamente Godard, Ozu, Tarkovsky e Buñuel, entre tantos outros. Como podemos
avaliar a qualidade de um avião atual, sem respeitar os esforços pioneiros de
Santos Dumont? O cinéfilo deve amar e respeitar o passado tanto quanto o
presente. Assistir “Acossado” (À Bout de Souffle – 1960), mesmo que seja para
dizer que não gostou ao final. Vê-lo em perspectiva, aprender e entender as
razões que o fizeram ser revolucionário em sua época.
Não sei vocês, mas eu ainda consigo lembrar a emoção de
adentrar uma videolocadora na minha infância. Mesmo sem saber explicar
racionalmente a razão daquele sentimento na época, tenho hoje certeza que
tinha algo a ver com a oportunidade de assistir a vida, ao invés de vivê-la. Eu
esperava a semana toda passar, para que acompanhado do meu pai, numa Sexta-Feira à
noite, caminhar até aquele local mágico e colorido, cheio de pôsteres e sonhos,
onde reencontrava meus “amigos imaginários”. Sempre era uma batalha para
conseguir levar algum filme de terror, mas os sustos e o frio na barriga ao
assisti-los compensavam o esforço. Lembro que ficava frustrado porque os filmes
alugados nunca vinham em suas capas originais e sim em umas pretas, sem nem ao
menos os títulos. Vocês devem entender essa mania de ficar analisando cada
detalhe da arte de capa e contracapa como se elas fossem um artefato sagrado.
Uma das minhas diversões, já que sempre adorei escrever (eu era aquele único
aluno na classe que ficava feliz quando a professora mandava comprar algum
livro), era criar continuações de filmes e prequels. Acredito ter sido pioneiro
nessa arte das prequels (risos), que hoje dominam o cinema americano.
Enfim, por mais que as minhas referências me tornassem o alvo perfeito para bullying,
não trocaria minhas frequentes idas à biblioteca da escola por aqueles papos
insossos sobre futebol e piadas de duplo sentido.
Alguém concorda comigo que o povo desaprendeu a ir ao
cinema? Lembro-me de assistir filmes nas salas de rua, após esperar na fila por
horas, conseguir sentar e aproveitar a sessão com tranquilidade. As filas eram
compostas por amigos em potencial, pessoas que estavam ali pelo mesmo motivo
que eu. Podiam não ser cinéfilas inveteradas, mas queriam se divertir com o que
iriam assistir e não fazer palhaçadas para tentar divertir (ou atrapalhar) os
outros. Assistir cinema hoje em dia é uma experiência difícil para mim, chego a
sentir dor física, além de profunda vergonha alheia, quando noto a entrada sempre muito
barulhenta de grupos de adolescentes mal educados em um recinto que para mim é
sagrado. Antigamente os “lanterninhas” se ocupavam de retirar um ou outro
bêbado que aparecia nas sessões, porém hoje em dia teriam muito mais trabalho.
Gargalhadas histéricas, palavrões ditos com tolo orgulho e aquela ignorância
nada sutil. Inicia o filme e todos os celulares começam a tocar. Aquele “rei do
mundo” na sua frente se achando no direito de propagar sua falta de cultura ao
tentar debochar de quase todas as cenas. Nunca me esqueço de assistir “Senhor
dos Anéis – O Retorno do Rei” e ouvir gargalhadas nas cenas mais emocionantes.
Nessas horas me vem uma vontade de que caia uma bomba em cima do sujeito, porém
a razão me interpele e começo a analisar os motivos daquela enorme falta de
respeito. Penso que o cinema, para essas pessoas, valha menos que uma rodada de
cerveja entre amigos. O respeito que aprendi a ter com a Arte, assim como o
respeito com o direito dos outros, é algo opcional. Não acredito que venha da
família, mas sim do livre arbítrio de um ser humano querer ser alguém melhor ou
pior. Para um cinéfilo, o valor do ingresso é um investimento. Ademais, vejo
refletido no semblante desses mal educados, as faces daqueles colegas de escola que no passado já exerciam plenamente a deselegância e a ausência de caráter.
E o futuro? A Sétima Arte é eterna, mas e o público? Existe
um enorme foco no artifício do 3D, enquanto que a precariedade crescente dos
roteiros não é notada. Sempre ouço que devemos ter dois pesos e duas medidas ao
analisar um filme. Caso a obra seja feita para divertir, deve ser analisada com
os olhos críticos cerrados. Puro absurdo. Desde quando nós aceitamos nos
divertir com produtos desleixados e de má qualidade? Eu não coloquei meu nome
nesse “abaixo assinado”. Temos que elevar o nível, pois deve partir de nós essa
atitude. Não assistam passivamente a mediocridade brandir suas lanças. Não
compactuem com a falta de educação. Somente dando o exemplo é que
redirecionaremos o futuro.
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