Adrenalina (Adrenalin: Fear The Rush – 1996)
A garotada de hoje, que acha o máximo encontrar qualquer
filme em segundos em torrent na internet, não imagina o prazer arqueológico de
dedos empoeirados dedilhando capas velhas de VHS no garimpo cinematográfico. Eu
costumava ir muito ao mercado popular da Uruguaiana, aqui no centro do Rio de
Janeiro, abastecer minha coleção com fitas de origem bastante duvidosa (na
melhor das hipóteses, provenientes de locadoras de vídeo que haviam fechado),
vendidas a preços irrisórios. Dos clássicos mais respeitados àquelas porcarias
que quase ninguém conhecia, empilhados de qualquer maneira, do chão ao teto.
Quem me visse lá, com quatorze anos, pensaria que eu era um desses caçadores de
relíquias. Eu ficava horas selecionando, vibrando a cada raridade que
encontrava. Eu me lembro da felicidade que senti ao encontrar “O Massacre da
Serra-Elétrica”, os clássicos do Bruce Lee e da curiosidade mórbida ao levar “O
Rato Humano”, uma das capas mais bizarras de que me recordo. E conheci “Adrenalina”
numa dessas aventuras arqueológicas.
O que me despertou o interesse foi sua sinopse: “Boston,
2008. Radiação, crime e miséria tomaram conta do país e todas as fronteiras
foram fechadas. Das ruínas desta civilização massacrada, surge uma criatura que
mata por puro prazer. Metade homem, metade mutante, ele carrega dentro de si um
vírus letal capaz de destruir a humanidade.”. E, naquela época, ter o
Christopher Lambert na capa fazia grande diferença entre levar ou não um filme.
Nem chequei quem era o diretor, mas provavelmente não mudaria minha opinião. O
prazer do garimpo encontrava complemento na viagem de metrô para casa,
imaginando como seria o filme. E, claro, a grande diversão se completava ao
preparar a sessão, inserindo a fita no aparelho, rezando para que ela não
arrebentasse lá dentro ou estivesse desmagnetizada, o que era bastante comum. Essa
complexidade de emoções se perdeu hoje em dia.
Eu lembro como se fosse hoje. A qualidade de imagem dessa
fita era tão ruim, que eu poderia muito bem estar de olhos fechados, que eu (não)
veria a mesma coisa. Anos depois, descobri que o problema não era na fita, mas no
filme, que era absurdamente escuro. Agora, num daqueles fenômenos inexplicáveis,
mesmo sem enxergar praticamente nada, achei o filme muito interessante. O clima
(exageradamente) sombrio, com os policiais caçando o mutante dentro de um
prédio destruído, acabou sendo sensorialmente eficiente ao que o roteiro se
propunha a entregar. Não importava que mal se visse o tal mutante durante
grande parte do filme, pelo preço ínfimo que a fita me custou, achei muito
válido. Essa foi uma das lições que levei para minha experiência como
profissional da crítica: sempre avaliar o projeto pelo que ele se propõe a ser,
sem expectativas.
O diretor Albert Pyun, considerado por alguns um novo Ed
Wood, recentemente informou aos seus fãs que irá se afastar por problemas de
saúde. Típico caso de profissional subestimado, mas basta um estudo mais
aprofundado sobre sua carreira para descobrir que ele foi descoberto pelo ator
Toshiro Mifune, que ficou surpreso com a qualidade de um curta que ele havia
feito. Suas grandes referências são Truffaut, Kubrick e Ingmar Bergman. Alguns
podem se lembrar de “Cyborg – O Dragão do Futuro”, um dos bons filmes ruins
estrelados pelo Van Damme, mas eu considero valoroso o que ele fez com “Capitão
América” (de 1990), utilizando uma verba mínima. Sem brincadeira, aquele filme
me desperta um apreço nostálgico pelo personagem, que eu não senti nesse novo
produto estrelado pelo Chris Evans, com o reforço de uma verba muito maior. E
Scott Paulin, como Caveira Vermelha, convenceu bem mais. Mas vamos voltar ao
objetivo do texto.
Fora os óbvios problemas decorrentes da baixa verba, o
diretor consegue demonstrar engenhosidade na movimentação das câmeras,
especialmente nas cenas em que acompanhamos a trajetória das balas, como se a
própria câmera “acertasse” o alvo. É uma obra curtíssima (em seu corte
internacional), objetiva e eficiente. Agora, para finalizar minha defesa do
filme como um “prazer culposo”, preciso dizer que senti na ambientação uma
forte influência de “Stalker”, do genial Andrei Tarkovski. Claro que não é uma
comparação...
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