(Texto que escrevi em 2011, semanas após a estreia de "Rio", de Carlos Saldanha)
Envergonhado percebi que muitos críticos procuraram
incessantemente falhas no projeto de Carlos Saldanha: “Rio”, assim como também
reclamam sempre da visão que os estrangeiros possuem sobre nossa terra. Muitos
críticos afirmaram que a animação não ajudava em nada a modificar a imagem que
o país possui no exterior. Mas será que o complexo de inferioridade
nacional é tão supremo que busca em uma animação infantil uma ferramenta
mágica, cujo propósito seria reformular uma imagem que nossa própria sociedade não
se vê apta a melhorar? Botemos então a culpa no Saldanha, já que omitir-se é um
hábito brasileiro tão corriqueiro quanto incentivar o criminoso processo de
vitimização de bandidos,
como fizeram com o assassino do ônibus 174.
Para grande parte do nosso povo, o diretor de cinema tem a
obrigação de mudar nossa imagem, como os professores tem a obrigação de
educar nossos filhos, enquanto continuamos aqui apostando na mediocridade
cultural, formando jovens semianalfabetos ao som de músicas deprimentes e
programas de televisão que celebram marginais. Os pais vão ao cinema e se
irritam com o Rio de Janeiro retratado pelos cineastas, depois chegam ao
conforto de suas casas e discutem na sala em família sobre os rumos do reality show.
Admiram quarenta minutos de exibições de lingerie no horário nobre e programas
humorísticos onde para cada piada existe uma mulher seminua, para depois
reclamarem da nossa imagem como sendo de um povo exageradamente sexualizado no
exterior. Quanta hipocrisia. Mas a culpa é sempre dos cineastas que saem do
país e não ajudam em nada a modificar nossa imagem lá fora. Que imagem?
E no caso do Saldanha é muito pior, porque ele é um
brasileiro que está fazendo muito sucesso lá fora. Como sempre afirmo, artista
de sucesso popular só se for estrangeiro. Artista bacana nacional tem que
ser underground, falar esquisito, cuspir nos jornalistas, usar óculos
escuros dentro de boate e forçar um papo político. Careta aqui é motivo de
deboche. Até a Sandy ficou devassa depois de tantos anos de perseguição dos
“pseudo-pseudo”. Artista brasileiro que vai para o exterior e fracassa, volta e
é incensado. Artista brasileiro que vai para o exterior e faz sucesso, começa a
ser alvo de perseguição, seus dias de glória já começam a ser contados regressivamente,
com a mídia buscando destruí-lo a qualquer custo, procurando defeitos e
possíveis erros. Mas botem a culpa no Saldanha que é mais cômodo.
Alguns críticos reclamam que a animação possui cenas com
macacos-trombadinhas, pássaros traficantes, sequestradores e violência em
favelas. Saldanha inseriu inteligentemente críticas sociais que se encaixam
perfeitamente ao conceito da obra. Mas a dona de casa que nunca se
preocupou em legar o hábito da leitura em seus filhos e escuta em alto e bom
som as líricas letras do funk carioca, morrendo de rir ao ver sua filhinha de quatro
anos dançando até o chão em movimentos sensuais, comenta que o filme apresenta
para o mundo uma imagem errada do nosso cândido País. Realmente não existem
essas coisas aqui, por mais que os traficantes que costumam eventualmente
obrigar todo um bairro a parar de funcionar, fechando escolas e
estabelecimentos comerciais a seu bel prazer, me façam franzir a testa em
assombro. Constato triste que nossa realidade é muito pior que a imagem
que possuímos lá fora. Mas isso pode mudar a qualquer momento, basta esta
sociedade parar de culpar os outros pelos seus próprios erros. O primeiro
e corajoso passo é admitir estes erros e começar a acender luzes onde as trevas
assolam.
O que posso falar de “Rio”? Uma animação fantástica, um
trabalho primoroso na dublagem comandada por Guilherme Briggs, com um senso de
humor delicioso e um sensacional trabalho de reprodução dos cenários da
cidade. Carlos Saldanha mostra a cada projeto uma maturidade importante, conquistando
cada vez mais seu lugar na cinematografia animada mundial. Um trabalho no mesmo
nível de “A Era do Gelo”, com muito requinte e respeito com seu público. Assim
como as produções da “Pixar”, os filmes de Saldanha não subestimam as crianças
e arquitetam sonhos que agradam pais e filhos da mesma maneira.
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