Paris, Texas (1984)
Wim Wenders faz várias referências ao universo criado por
George Lucas, como no uso de frases icônicas e a utilização dos bonecos de
personagens de “Star Wars”, que alimentam a criativa imaginação de uma criança
presa a um mundo que não lhe pertence. Hunter Carson (Hunter Henderson)
foi deixado na casa do tio paterno, muito antes de conseguir entender o
significado da palavra: solidão. O tio Walt (Dean Stockwell) e a tia Anne
(Aurore Clement) evitavam qualquer menção ao que havia ocorrido com seu pai e
sua mãe. O pequeno Hunter demonstrava insatisfação com uma vida rotineira e em
seus sonhos escapistas buscava um mundo fascinante de emoção e aventura. Assim
como o protagonista da trilogia original de George Lucas: Luke Skywalker, o
garoto não pensou duas vezes antes de aceitar o lúdico convite à aventura feito
por seu pai: Travis (Harry Dean Stanton), quando ele retorna e demonstra o
desejo de reencontrar sua esposa. Wenders referencia a trilogia até na escolha
do corte de cabelo da criança, que é idêntico ao de Luke no filme de 1977.
As referências citadas acima, além de aproximarem a obra de um bem vindo
contexto pop, ainda retiram um pouco daquele verniz esnobe (colocado por
aqueles que diferenciam filmes de “arte”, sem perceber que todos o são,
normalmente para “vestir” um rei que está nu) que incrustrou-se após décadas de
bajulação dos pseudo-intelectuais, progressivamente afastando o grande público
de uma apreciação mais passional. “Paris, Texas” merece textos calorosos
e não o usual desfile de prepotência verborrágica, normalmente disfarçando um
padrão que é usado para enaltecer aquele que analisa, ao invés de celebrar o
objeto de análise. Por essas razões, prefiro sempre assistir a obra pelo ponto
de vista do garoto.
Evitando detalhar a trama, para preservar a experiência daqueles que não a
assistiram, considero essencial ressaltar a importância da trilha composta
pelo guitarrista Ry Cooder, que consegue expressar com sensibilidade a
melancolia inerente aos passos solitários de Travis no deserto, após quatro
anos de uma jornada em que buscava refúgio da própria vida. Um homem em busca
de sua origem (“Paris, Texas” é o lugar em que ele foi concebido), tentando
apagar suas pegadas e refazê-las de forma diferente. Os erros do passado, que
assombram seu caminhar pesado, emudecendo seus lábios. O encontro com o irmão,
a redenção advinda da primeira vez que escuta seu filho chamando-o de “pai” e a
tentativa de se fazer parecer um “pai” (uma linda cena que antecede uma de suas
caminhadas até a escola do menino) mediante seu vestuário. Como ele inspira a
imaginação em seu filho, levando-o a sentir-se pela primeira vez parte de algo,
um universo só seu. Momentos que Wenders nos apresenta de forma simples e
eficiente.
O objetivo da busca dos aventureiros não é imediatista, mas sim o reparo de
algo que havia se estilhaçado, causando destruição para todos os envolvidos.
Jane (Nastassja Kinski) e suas decisões nunca são julgadas pelo roteiro, que
responde a tudo em uma única frase proferida por Travis: “Eu sinto muito”.
Realista, tocante e simples.
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