Falar da obra do diretor José Mojica Marins e sua
importância para o cinema nacional é tarefa difícil, pois graças a ele mesmo e
seu senso de humor, nos acostumamos a ver sua persona como algo cômico. Antes
de começar, peço que tire do rosto o sorriso debochado. José Mojica ri de si
mesmo e sabe de suas fragilidades artísticas e pessoais, porém ele não as usa
como um empecilho para sua criatividade. Suas ideias podem soar antiquadas, mas
são suas próprias, não as copiou. Um diretor que bate no peito e diz: “Sou
capaz”. Quisera o nosso cinema tivesse mais uns dez assim.
Para se analisar sua obra é preciso esclarecer algumas
informações essenciais. O cinema de terror possui várias facetas, uma delas é o
chamado “Gore” (horror explícito, nojento). Mojica iniciou esse tipo de cinema
em 1964 com “À Meia-Noite Levarei a Sua Alma”. Somente em 1968, um diretor
americano estreante chamado George Romero fez fama internacional utilizando o
mesmo conceito em seu, hoje marco inquestionável do gênero, “A Noite dos
Mortos-Vivos”. O diretor estrangeiro é respeitado e cultuado mundialmente,
enquanto nosso Mojica é alvo de críticas e menosprezo em seu próprio País.
Parte desse preconceito tem origem no próprio humor do diretor, que se permitiu
ao longo de sua carreira utilizar o personagem “Zé do Caixão” em várias
aparições públicas. Como se Sylvester Stallone aparecesse em vários programas
de TV utilizando a faixa vermelha de “Rambo” na cabeça. O personagem tornou-se
uma figura pública e passeou por várias mídias (quadrinhos, rádio, propagandas
e atualmente um programa de entrevistas), um processo que, com o tempo, ajudou a
banalizar o impacto que ele causava no seu público. Uma de suas obras menos
conhecidas: “Ritual dos Sádicos” (de 1969), ficou proibida pelos militares de
ser exibida por vinte anos, mas é uma pequena obra-prima do terror.
José Mojica fez algo raríssimo no cinema nacional: ele criou
um personagem complexo e fez fama internacional com ele, utilizando as nossas
tradições e medos. Como autor e diretor, ele ousou pôr a cara à tapa, sem medo
das críticas. Possivelmente, o preconceito irá continuar por aqui, onde ele
continuará sendo tido pelo nosso povo, pelo seu próprio povo, como um velho
louco. A história de sua fama internacional como “Coffin Joe” obterá mais
capítulos e seu nome será seguido de palmas nos festivais de cinema fantástico
pelo mundo afora. Nós continuaremos os mesmos e, para nossa sorte, ele também.
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