O comum transtorno conhecido por histeria é a matéria-prima
de várias indústrias que lucram diariamente com a fragilidade do ser humano. A
pessoa que sofre desta patologia incorre com incrível frequência à teatralidade, suprindo carências e fantasias com uma constante atuação, onde afirmam nunca
serem compreendidos ou amados, por conseguinte, acaba sendo “curada” pela mesma
teatralidade.
O incrível poder da sugestão vai muito além dos placebos
médicos ou das hipnoses, mostrando-se presente em variadas situações do nosso
dia a dia. Imaginem uma senhora amargurada que procura um centro de macumba,
para fazer um trabalho de magia negra contra uma ex-patroa, mas descobre que o
lugar parece com qualquer escritório normal, sendo atendida por um “pai de
santo” de gravata, sentado em uma mesa comum com apenas uma foto de sua
família. Imaginem um especialista em homeopatia entregando para uma de suas
pacientes um vidro de comprimidos, aconselhando de forma natural que se tome
apenas duas vezes ao dia. Onde está a teatralidade nestas situações? São
comuns, banais, humanas. Uma igreja sem rituais, um templo evangélico com um pastor
que discursa em tom baixo e monocórdio, um político que suba em um palanque de
bermudas, um cinema de luzes acesas. A teatralidade produz elementos que
sugestionam para o bem e para o mal. Religiões e seitas lucram fortunas
diariamente pelo poder da sugestão, fazendo o ser humano acreditar por alguns
minutos fazer parte de algo mágico, desassociando-se momentaneamente da cruel
experiência carnal diária. Dores somem ao toque das mãos de um pastor, para serem sentidas novamente horas depois. O choro de dias transforma-se em
gargalhadas por duas horas, enquanto sua mente vive a arte do cinema. Vícios de
anos sucumbem perante o ilusório efeito de comprimidos homeopáticos, sempre
acompanhados de um extenso “manual de instruções” que auxilia no ato da sugestão.
Quanto mais rebuscado e difícil o espetáculo, o “razzle dazzle”, maiores são as
chances de surtir efeito. A duração do mesmo pode variar de horas até anos,
dependerá da motivação da pessoa. A Sétima Arte utiliza a sugestão como
elemento essencial. O cinéfilo investe seu dinheiro no ingresso, da mesma forma
que o crente investe o seu dinheiro em sua crença, buscando um tipo de
recompensa emocional instantânea. O dinheiro do cinéfilo mantém a indústria de
cinema funcionando, assim como o dinheiro do crente mantém os carros importados
e as mansões de seus pastores. Tudo é uma questão de prioridades. Conheço casos
de suicidas saírem de sessões de cinema desistindo de darem fim às suas vidas,
assim como casos de donas de casa que saem de um culto evangélico acreditando
estarem curadas de tumores malignos. O que existe de comum nestes casos? O
poder da sugestão.
Finalizo com o relato de um fato curioso, que envolve a
realização do documentário “The Quiet One” (1948), como forma de agregar na
reflexão que proponho nesse texto. O projeto narrava a vida conturbada de uma
criança negra no Harlem, rejeitada pelos pais e pela sociedade. A produtora
Janice Loeb precisava fazer com que o jovem demonstrasse em uma cena
importante, uma expressão muito específica de angústia, simbolizando o momento
em que o menino sente estilhaçar sua alma ao ser rejeitado pela mãe. A cena no
roteiro seguia desta forma: o menino abandonado não se aguenta de
felicidade ao poder matar a saudade de sua mãe, visitando-a na casa onde ela
mora com o atual marido. A mãe abre a porta e recebe friamente aquele rosto
desamparado, mas ainda assim esperançoso, que sorri para ela. Ela se dirige a
ele sem nenhum traço de paixão, uma frieza mortal, destruindo a esperança do
menino, que se vê envolto pela tristeza. Como conseguir fazer aquela variação
de sentimentos tão radicais brotarem naquele menino? Além disso, como conseguir
trabalhar essa cena de forma a sugestionar a emoção certa no público? Não
poderia ser algo caricato ou teatral, pois a mente do espectador trabalharia da
mesma forma que em qualquer dramalhão de Hollywood, inconscientemente sabendo
que são artistas atuando. Janice então solucionou o problema da seguinte forma:
deixou o menino passando fome durante algum tempo, depois ofereceu a ele uma
suculenta torta de maçã (o olhar do menino ao ser recebido por sua mãe na porta),
retirando-a de suas mãos no exato momento em que ele intencionava saciar sua
fome (a tristeza no semblante dele ao perceber a frieza na voz da mãe). Neste
processo a câmera seguiu captando tudo, bastando que ela depois editasse
conforme o roteiro pedia. Criou-se a fonte perfeita para sugestionar a emoção
que o diretor Sidney Meyers ambicionava em seu público. Assim como quem sofre
de histeria sente intensa admiração pelos que atuam na medicina (representam
inconscientemente “a cura”, devidamente imersos em rituais, que vão desde o
branco na vestimenta até a escrita única dos doutores, difícil de entender), os
cinéfilos buscam nos projetos dos diretores, uma realização pessoal, uma
resposta, uma cura.
A capacidade de expressão escrita (comunicação de alcance social mais facilitado...) é uma benção, Octavio Caruso, parabéns!!!
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