A Noite dos Mortos-Vivos (Night of The Living Dead – 1968)
Existem filmes sobre zumbis que precedem a obra seminal de
George Romero, como “A Epidemia de Zumbis”, de 1966, mas um dos motivos que
tornaram “A Noite dos Mortos-Vivos” (e suas sequências), ao longo do tempo,
mais do que um produto de seu gênero, foi sua utilização do tema como metáfora
para problemas sociais, como o racismo. Não é por acaso que a trama se passa em
uma cidade sulista americana.
Lançado pouco tempo depois do assassinato de Martin Luther
King, no intenso fogo cruzado racial em uma América que ainda dividia a
utilização de banheiros públicos pela cor da pele, o filme era protagonizado
por Duane Jones, um negro. Sua apresentação, por volta dos quinze minutos de
filme, insinua esse elemento ideológico. Desesperada, a jovem Barbra (Judith O’Dea)
percebe que os zumbis estão se aproximando da casa, então ela corre para fora
do local, assustando-se então com as luzes do carro que se aproxima. A câmera
nos apresenta Ben (Jones) no mesmo ângulo utilizado para enquadrar os zumbis.
Por alguns segundos, assim como a jovem, somos levados a crer que ele é um dos
mortos-vivos.
Negros no cinema americano, até aquele momento, haviam sido
utilizados com destaque apenas em projetos que abordavam exatamente o tema
racial. Com exceção talvez de “O Caso Bedford” (de 1965), com Sidney Poitier. No
próprio gênero, como em “Zumbi Branco” (de 1932) ou “Ouanga” (de 1936), os
negros eram utilizados como escravos zumbis ou feiticeiros malignos praticantes
de Vodu. A ousadia de Romero, indo contrário ao roteiro, que tratava Ben
(caucasiano) como um estereótipo, foi permitir que Jones retrabalhasse os
diálogos, inserindo atitude e tornando o personagem narrativamente mais interessante,
um homem comum que simplesmente reage por instinto de sobrevivência. Ele compôs
inconscientemente um amálgama do orgulho do Virgil Tibbs de “No Calor da Noite”
com a agressividade dos heróis da posterior era “Blaxploitation”. Em uma
situação de pânico da jovem, ele chega a agredi-la sem pensar duas vezes, numa
atitude que seria comum em “Shaft” ou “Super Fly”, mas um risco tremendo em sua
época. Sua morte ao final, sendo abatido friamente por engano, acentua ainda
mais esse discurso.
Os zumbis hoje em dia são parte inerente da cultura popular,
utilizados generosamente em todas as mídias. A qualidade da maquiagem está cada
vez melhor e eles até correm, cada vez mais ameaçadores. Mas não acredito que
essas produções serão lembradas no futuro, pois carecem do elemento da
metáfora. A crítica ao consumo exacerbado em “O Despertar dos Mortos” e ao
militarismo em “Dia dos Mortos”, foram negligenciadas nas suas respectivas
refilmagens, que priorizaram o puro entretenimento. É muito bom revisitar a
obra original de Romero e constatar sua coragem, ao mesmo tempo em que
refletimos se não nos tornamos exatamente os zumbis alienados que ele vislumbrava.
O apocalipse zumbi, ao que tudo indica, já está ocorrendo...
***
A excelente editora “Darkside Books” está lançando uma obra
imperdível para os fãs do cinema de terror, a novelização de “A Noite dos
Mortos-Vivos”, escrita por John Russo, com a adição do texto integral da
continuação do filme, que não chegou a ser filmada, intitulada: “A Volta dos
Mortos-Vivos” (sem ligação com o “terrir” homônimo). Acabamento em capa dura,
com o refinamento já conhecido pelos leitores da editora. Item obrigatório na
coleção de qualquer cinéfilo.
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