Viver (Ikiru - 1952)
Tive a oportunidade de rever recentemente esta obra de
riqueza e sensibilidade ímpares na História da Sétima Arte. Mesmo não tendo
sido novidade para mim, ainda não consegui me recuperar de seu impacto
emocional. Diferente de seus celebrados filmes com samurais, com um estilo vibrante
inspirado em John Ford, essa pérola na filmografia de Akira Kurosawa fala a língua
universal do humanismo. Qualquer cultura no mundo iria compreender totalmente a
sua mensagem.
O filme de 1952, com o roteiro inesquecível de Shimobo
Hashimoto, Hideo Oguni e do próprio diretor, conta-nos através da narração de
um Benshi (narradores do cinema mudo japonês) a história de Kanji Watanabe
(Takashi Shimura), um velho funcionário da prefeitura que descobre estar com um
câncer no estômago e que lhe resta pouco tempo de vida. Percebe que sua
existência não teve um objetivo, um propósito. Que ele dedicou-se de corpo e
alma ao seu trabalho burocrático e se esqueceu de amar e ser amado. Decide
então empenhar-se em criar um parque onde as crianças pudessem brincar, já que
a prefeitura sempre prometia, mas nunca realizava a construção. O seu esforço,
mesmo combalido pela doença terminal, ganha recompensa na realização de seu
sonho. A inspiração para o roteiro nasceu da inconformidade do diretor perante
a onipresente corrupção corporativa no Japão do pós-guerra, sentimento que iria
nutrir também seu futuro projeto “Céu e Inferno” (Tengoku To Jigoku, de 1963).
Não há como não se emocionar no lindo momento em que o
protagonista entoa uma singela canção, com uma voz grave que esconde toda sua
angústia, sentindo o peso de sua mortalidade nos ombros:
“A vida é breve,
Apaixonem-se, donzelas,
Antes que a flor carmesim desapareça dos seus lábios,
Antes que as marés da paixão esfriem dentro de você,
Para aqueles de vocês que sabem que não existe amanhã”.
Fugindo da pieguice com que o tema poderia se inundar, Kurosawa
insere toques de humor que nos fazem simpatizar mais ainda com o personagem
central. Takashi Shimura e sua constante dor física e emocional transparecem em
todas as cenas. As lágrimas brotam não por pena, mas sim por inveja da
dignidade humana que ele exala até o último momento. É o melhor exemplo de
morte honrada já transposta para o cinema. Somente quando descobriu que estava
morrendo é que ele decidiu viver.
O filme foi lançado logo após o sucesso estrondoso de “Rashomon”,
mas foi considerado “japonês demais” pelos distribuidores internacionais, que
somente lançaram a obra oito anos depois. “Viver” é o Kurosawa mais humano, sensível e poético. Veja e
repense seus conceitos sobre vida, morte e realização pessoal.
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