(Resgato esse que foi o meu primeiro texto profissional, para o extinto veículo: cinema.com.br)
Hoje em dia, mesmo com os avanços realizados no cinema
nacional, ainda não podemos dizer que alcançamos uma estabilidade criativa em
nossos projetos. Muitos diretores ainda não aprenderam a linguagem da tela
grande, ainda muito presos ao estilo de filmagem das novelas, com seus
excessivos planos em zoom e outros vícios. Porém existem cineastas
que além de serem apaixonados pela Sétima Arte, sabem dar o valor merecido aos
gênios que vieram antes, sem patriotismo burro e arrogância.
Existiu uma época em que o Brasil nem constava no mapa do
cinema mundial ou aparecia apenas como exótica curiosidade Cult. Houve um
homem que enfrentou este panorama, desbravando mares nunca antes navegados, nos
deixando um legado eterno chamado “O Pagador de Promessas”. Em 1962, um jovem
chamado Anselmo Duarte, ator de filmes como “Sinhá-Moça” e “Aviso aos
Navegantes”, resolveu dirigir uma história à frente de seu tempo. Além de
dirigir, ele roteirizou (baseado em obra de Dias Gomes) a saga de um homem
humilde, Zé do Burro (Leonardo Villar) que, após ver seu burrinho (seu melhor
amigo) adoecer, precisa cumprir uma promessa feita em um terreno de candomblé,
carregando uma pesada cruz por um longo caminho e deixá-la dentro da igreja de
Santa Bárbara, onde a oferecerá ao padre (Dionísio Azevedo) local. Sempre
acompanhado por sua esposa (Glória Menezes), o homem descobre que a missão não
é fácil e que o padre não deixará que sua cruz entre na igreja, causando uma
comoção imensa na pequena cidade. Com um roteiro ousado e muito inteligente,
Anselmo realizou um feito até hoje não repetido: trouxe ao Brasil a Palma
de Ouro no Festival de Cannes, além do prêmio especial do júri no Festival
de Cartagena na Colômbia, o Golden Gate de Melhor Filme no Festival
internacional de San Francisco e foi indicado ao prêmio de Melhor
Filme Estrangeiro no Oscar. Ao voltarem ao Brasil, o diretor e sua equipe foram
recebidos com um desfile público em carro aberto. O filme não apenas levou o
prêmio máximo, ele mereceu ganhar.
Infelizmente a carreira de Anselmo após o projeto foi
prejudicada por divergências ideológicas e inveja no próprio meio
profissional e ele não obteve mais o mesmo sucesso. Ele faleceu praticamente
esquecido pelo seu próprio povo em 2009, aos oitenta e nove anos, após ter
sofrido um acidente vascular cerebral hemorrágico. Seu legado para o cinema
nacional é eterno, mesmo com a fraquíssima memória do brasileiro, que tende a
somente valorizar as novidades, esquecendo-se assim de quem ousou outrora, sem muito
patrocínio, décadas antes de nosso cinema virar um monopólio. Anselmo Duarte e
seu “O Pagador de Promessas” é uma lição a todos os que pretendem fazer cinema por
aqui e aos que ainda hoje, cinquenta anos depois, colocam a culpa pelo
pouco público na falta de investimento, mascarando incapacidade criativa com uma
confortável vitimização. Anselmo ensinou como um brasileiro pode ir sozinho
para “Cannes” e, mesmo competindo com indústrias mais evoluídas e estabelecidas,
trazer o prêmio máximo: “Faça melhor”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário