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O Garoto (The Kid – 1921)
O pecado da mulher, vivida por Edna Purviance, havia sido a
parentalidade irresponsável, que Chaplin simboliza pela sobreposição da imagem
do sacrifício de Cristo, carregando sua cruz montanha acima, numa espécie de
paralelo com o mito de Sísifo. A cruz da mulher é o bebê. Sua solidão, evidenciada
num intertítulo, encontra ressonância na cena seguinte, que mostra o pai do
bebê, um homem que não se importa em resgatar do fogo a foto dela, evidenciando
que o relacionamento não era alicerçado no amor e no companheirismo. A mulher
já estava sozinha antes mesmo de ter o bebê. Ao deixar sua cruz no automóvel de
uma família rica, a angústia que sente é sublinhada pela beleza da trilha
sonora composta pelo próprio Chaplin.
Quando o vagabundo aparece, por volta dos cinco minutos, reconhecemos
nele uma versão adulta daquele bebê, um cavalheiro que foi despejado da
sociedade, um fardo a ser perseguido pelas autoridades policiais, um órfão
existencial cuja nobreza se esconde por trás dos trapos. Nada mais lúdico que o
encontro entre esses dois elementos, que se alternam na posição de pai e filho
em vários momentos, como quando o garoto prepara o café da manhã, desperte a
ira da sociedade que os abortou, representada na clássica cena em que as
autoridades do orfanato tentam separar os dois. Corajosamente o roteiro critica
o conceito de “cuidados apropriados”, quando, na realidade, o garoto seria
levado para um local onde deixaria de ser um indivíduo, passando a ser uma
estatística social.
O equilíbrio entre as cenas cômicas e aquelas que
desenvolvem a trama é perfeito. É perceptível o cuidado do diretor com cada
sequência desse seu primeiro filho artístico. Quando a mulher é mostrada em ato
de caridade com os meninos da rua, devolvendo alegremente para a sociedade a
sorte que a fez mudar radicalmente de vida, sendo agora uma artista famosa, o
roteiro presenteia sua gratidão com aquilo que ela mais desejava: o reencontro
com seu filho, ainda que ela não tivesse essa informação. O rosto de Jackie
Coogan, admirando aquela estranha, é capaz de partir o coração do mais frio dos
homens. É tocante a forma como ele, sabendo que a mulher já está distante e não
o observa, acena uma melancólica despedida. O garoto se despedindo
inconscientemente daquela doce ilusão que viveu por alguns segundos.
O momento em que o vagabundo corre por sobre os telhados das
casas, perseguindo o veículo que conduz o garoto ao orfanato, culmina numa das
cenas mais bonitas em sua filmografia, o beijo na boca do menino, o lúdico gesto
absoluto de amor em seu próprio reflexo no espelho.
Sem palavras... "Pura Arte"
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