quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Cine Noir - Um Lance no Escuro

Link para os textos do especial:


Um Lance no Escuro (Night Moves – 1975)
O detetive particular Harry Moseby é contratado por uma atriz decadente de Hollywood, vivida por Janet Ward, para investigar o desaparecimento de sua filha, que teria fugido para a Flórida. Ele vai atrás da moça para tentar trazê-la de volta, e acaba descobrindo uma série de histórias mal explicadas. 

Alguns podem se lembrar do filme pelos excelentes diálogos do roteiro de Alan Sharp, como a esperta utilização do assassinato de Kennedy como argumento em uma discussão, ou a definição dada pelo protagonista para as obras do diretor francês Eric Rohmer: “Seus filmes são como assistir a tinta secando na parede”, enquanto outros nunca irão se esquecer da sensualidade de uma ninfeta Melanie Griffith, mas o maior mérito do filme, possivelmente o melhor na carreira de Arthur Penn, foi ajudar a revitalizar o Noir em sua essência mais desconcertante, com uma trama tão confusa quanto a do clássico “À Beira do Abismo”, apresentando um detetive, vivido impecavelmente por Gene Hackman, que se mostra incapaz de compreender o escopo da sórdida armadilha em que está se metendo. 

O ator, que possui a qualidade de transmitir uma fragilidade facilmente identificável, deixa transparecer gradativamente em sua postura corporal a dor que acomete seu personagem. Ele decide se tornar um detetive para evitar analisar a si próprio, evitar se encarar no espelho, passando então a investigar detalhes da vida dos outros, compensando profissionalmente a triste constatação de ser miseravelmente culpado pelas mazelas em sua vida, como a traição de sua esposa, vivida por Susan Clark. A angústia do gênero encaixou perfeitamente nos anseios do público desiludido americano pós-Watergate, uma crueza que é captada pela lente da fotografia realisticamente brutal de Bruce Surtees, responsável por Dirty Harry e Lenny, realizando milagres com o baixo orçamento. 

A metáfora visual que define o filme, a última cena, brilhantemente finaliza o arco narrativo do personagem, que, assim como nós, aceita estar totalmente desorientado. Essa é a beleza das tramas dos melhores Noir, inserir o protagonista em um cenário tão corrupto e lamacento, desprovido de virtudes, que a possibilidade da morte acaba se tornando a mais acalentadora, exatamente por trazer com ela a liberdade. 

* O filme está sendo lançado, em versão restaurada, pela distribuidora Versátil, com um making of de nove minutos. 

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