Em mais uma entrevista exclusiva para o "Devo Tudo ao Cinema", converso com o amigo Paulo Braz Clemencio Schettino, professor de cinema e cineasta, que escreveu o livro "De Bello Media - O Novo Cinema Brasileiro".
O – Querido amigo, em um
carinhoso comentário seu na postagem do meu texto sobre o filme “Ela”, você
afirma desconfiar que a preocupação doentia de substituir o real pela imagem na
sociedade, tema central do filme, pode ter começado com o próprio cinema. Achei
fascinante essa análise. Peço que desenvolva isso, agora que já viu o filme.
P - Repriso em sessão vesperal o que
antes demonstrei da satisfação com que recebi teu convite para escrever sobre o
Cinema. Sensação de honraria sentida que cumpro com grande prazer.
O filme “ELA”/Her, de Spike Jonze
(2013) pode ser visto a nosso ver como
um exemplar do gênero ‘Ficção Científica’ no Cinema, com uma ressalva: ao invés
de tratar de projeções de futuro baseando-se nas mais recentes supostas
verdades da Ciência já que deriva do que chamamos ‘Literatura de Antecipação’, traz
uma diferença - trata de uma realidade já existente visto existir um grande
percentual dos atuais humanos a viverem exclusivamente em contato direto com
seu imaginário particular via computadores (semelhante ao filme “Gattaca”/idem
que aborda a Engenharia Genética existente em um presente, mas, colocado como
algo em ‘futuro não muito distante’).
O título com que foi lançado no
Brasil nos remete à primeira versão do romance de aventuras do escritor inglês
Sir Henry Rider Haggard – “Ela, a feiticeira” realizado na década de 30 com o
jovem Randolph Scott, antes do faroeste, no papel do atual Joaquin
Phoenix. E a antiga “Ela” agora se
transforma em ‘Dela”/Her – deixando para trás o pronome de caso reto em direção
ao oblíquo, e a personagem feminina cede o protagonismo para a personagem
masculina que ocupa quase 100% o tempo todo de tela.
Sim, acreditamos! Foi com o
Cinema que tudo começou.
Aos poucos as imagens de mulheres
e homens, transformados em estrelas a iluminar os céus ilusórios, foram
substituindo as pessoas de ‘carne e osso’, por décadas, dos anos 20 até nossos
tempos. Confere com a personagem
feminina de Woody Allen em “A Rosa Púrpura do Cairo” que graças à revolução da
tecnologia digital, agora, poderia ‘ir para a cama’ não com Ela ou Ele, e sim
com sua imagem, Dela ou Dele. É definitivamente
possível abandonar a primeira realidade
de nossa circunstância e mergulhar por inteiro no sonho ou fantasia. E tudo
começou no. . . e com o Cinema.
Faz parte da ideia do Cinema
ocupar a ambiência onírica de tal forma que a ilusão se complete a ponto de
esquecermos as nossas vizinhanças e não mais perceber onde estamos e sequer o incomodativo
vizinho da cadeira, o irritante barulhinho do desembrulhar de seu dropes - mergulhados que estamos em quase outra
dimensão. Quando tem mão de mestre e o
Filme é bom engole-se a Mentira esquecidos que estamos diante de uma
Representação, e não da própria Vida! E rimos, choramos, sofremos. . . e,
conforme Aristóteles, depuramos nossa Alma com a Alegria ou o Sofrimento
alheio. Aos poucos, na saída do cinema retomamos o nosso estado de
‘normalidade’ e caímos ‘na real’!
O – Sempre digo, de forma simbólica, que o
cinema nacional precisa se libertar de Glauber Rocha. Os estudantes saem das
faculdades sendo doutrinados a endeusarem a estética da fome, desprezando o
cinema de gênero. Não há maneira de construir uma indústria de cinema
desprezando gêneros, somente a prática leva à perfeição. Como você enxerga essa
questão?
P - No nosso entender, mais do que a
‘estética da fome’, deve-se sepultar uma falácia atribuída ao diretor baiano
que faz os iniciantes crerem que para fazer Cinema ‘bastariam uma câmera na mão
e uma ideia na cabeça’. Nada mais perigoso para quem pretende começar a fazer
filmes. Disseminou-se também a outra falácia que o mestre Fellini ia para os
estúdios sem Roteiro – hoje temos disponíveis os seus desenhos de produção
próximos de um story board, portanto, planejamento a priori.
Insistimos ser o Cinema, desde o
seu início e sempre, dependente da Luz que é a sua Ferramenta mor, perseguir o
Sonho, seu Objeto de Desejo – e o Filme, o seu Produto. Os gêneros de filmes são tão livres quanto a
nossa imensa liberdade de sonhar – ninguém coloca cercas no universo dos
sonhos. Nessas paragens as
contextualizações espaciais e temporais deixam de existir e nos aprisionar e
nos liberamos dos grilhões dos 1D, 2D, 3D . . . tornando-nos voláteis e etéreos
e libertos. A nossa Dalva de Oliveira um
dia cantou: “Que me importa que eu seja pobre/Se quando sonho, tenho o que
quiser/Vou sonhar, pra viver.”
No entanto, a experiência nos
ensina que não faz filmes quem não vê filmes, assim como não existe um escritor
que não seja bom leitor. Os livros vêm
sendo reescritos a cada geração desde a Antiguidade, e de modo semelhante os
filmes vêm sendo refeitos faz mais de cem anos – é o Palimpsesto a que se
refere o francês Gérard Genette.
O mesmo Genette que de acordo com
Homero e Aristóteles e Platão nos ensina as bases sobre a questão de Gênero,
válido tanto para a Literatura quanto para o Cinema – os arquitextos de ambas
as áreas seriam Épicos (feitos para serem lidos ou ouvidos) ou Dramas (próprios
para imitação), Trágicos ou Cômicos, e a subdivisão entre Documental ou Ficção.
Genette inclusive assume a diversidade de gêneros exposta nas prateleiras das
recentes/antigas locadoras de filmes a gosto e escolha do freguês: filmes classificados
como de Amor ou Romance; de Guerra; de Espionagem; Faroeste; Cinebiografias; ‘Noir’;
e. . . Ficção-científica, inclusive. O que importa e define o gênero seria o
Tema.
Uma cinematografia nacional
deveria contemplar essa diversidade de gêneros e subgêneros se quiser atender também
a diversidade de seu público.
O – Além do roteiro, um grande
problema que temos é a distribuição. Se o filme não tiver o dedo da “Globo
Filmes” na produção, ele tem pouquíssimas chances de ser exibido numa sala. E,
caso consiga, sua permanência é ridiculamente curta, com tudo jogando contra. O
cinema nacional acaba dependendo dos cinéfilos mais dedicados, aqueles
garimpeiros que frequentam os festivais. O brasileiro não conhece seu próprio
cinema, já que ótimas pérolas nunca são lançadas fora do circuito dos
festivais. O grande público, infelizmente, soma no discurso de que nossos
filmes são ruins. Como você analisa essa questão?
P - O problema é que as principais
bases em que se assenta a Cinematografia não se modificam, como querem alguns,
apenas trocando os termos, pois, elas, as bases, é claro, sobrevivem ao tempo
independente das palavras que se sucedem por puro modismo – dizer a mesma coisa
com novos nomes.
O famoso tripé que sustentou e
sustenta o Cinema continua a existir, ou seja: Produção / Distribuição (venda no
atacado) / Exibição (venda a varejo).
Como nos movimentamos pelas
diversas áreas acadêmicas e de Ensino da Comunicação (Imprensa/Jornalismo / Publicidade
& Propaganda / Relações Públicas / Rádio-TV-Internet / e Cinema) acabamos
misturando os departamentos. Ao longo
de nosso exercício de trabalhador de Cinema cansamos do exaustivo fetiche ou
crença do ‘boca-a-boca’ – de que alguns produtores e ou diretores faziam e fazem
muita fé. Exibir para algumas pessoas especiais que usufruem do título de
‘formadores de opinião’ ou aqueles que fazem parte do público-alvo a ser
atingido é bom e funciona parcialmente, mas jamais será suficiente. Diz a lenda que a partir de uma ‘preview’
desse tipo é que o mestre Billy Wilder teria modificado toda a sequência
inicial de seu filme “Crepúsculo dos Deuses”/Sunset Boulevard – a Hollywood Story
(talvez o melhor filme de Metalinguagem do Cinema).
Os grandes ‘media’ não trabalham
sem ganhar – é a Lei do Mercado, sob que vivemos e encontra-se atuante e forte,
mais do que nunca. Sem um grande planejamento
e de grande orçamento que os envolva, o público não será alcançado jamais. Entendemos e divulgamos ser o Cinema uma
hierática Esfinge de mil máscaras ou faces, e dentre essas múltiplas faces
selecionamos três prioritárias, a saber: Mercado / Medium de Comunicação /
Arte. Busca-se com o Filme atingir
o público, geral ou segmentado – última instância a que se reduz o ‘outro’ no
processo comunicacional, e isso custa muito dinheiro grosso. Distribuição
e Exibição continuam, e talvez
mais do que nunca, a se constituírem no famoso e antigo ‘gargalo’ a represar
uma Produção a exigir que se invista bem mais em estratégias de publicidade do
que se gastou na Realização. O filme de Hollywood, antes de ser lançado aqui no
Brasil e qualquer outra parte do mundo, em sua grande maioria já chega
ressarcido ao novo destino pelo hábito de consumo interno de Cinema nos
EUA. ‘Já se pagou’, como se costuma
dizer. Mesmo contando com a colonização
cultural construída por décadas aqui e nos outros países, torna-se necessário ‘molhar’ as mãos dos media, e regiamente.
E isso custa dinheiro!
Faz-se um exercício de Arte e
Comunicação ao parir um Filme que, como se dizia em tempos idos finalmente:
“Está na Lata!”, para morrer na praia das prateleiras.
Como cantaram Joel Grey e Liza Minnelli: “Money makes the
world go around!”
E tens muita razão – sobraram os
festivais para alavancar o Filme.
O – Como você vê o papel da
crítica cinematográfica na formação, não apenas de um público mais criterioso,
mas, também, de uma indústria sólida? A crítica, que vejo como uma vertente da
filosofia, é incompreendida em nossa nação, a leitura não é um hábito.
Testemunhamos frequentemente cineastas batendo boca com profissionais da
crítica, ou, como foi o caso em “Chatô”, tentando comprar opiniões positivas
participando ativamente das cabines de imprensa. Há esperança?
P - Esperança, sempre haverá – esse ente
ambíguo criado por Zeus e por ele estrategicamente deixado para existir somente
após ser esvaziada a ilusória caixa (?) de Pandora. Etimologicamente, a palavra
‘crítica’ diz respeito à análise e é o que todo espectador de Cinema faz mesmo
ao ver atabalhoadamente filmes e filmes – termina-se por adquirir de modo
inconsciente a capacidade de comparação e apreensão de sua linguagem e
sucessiva aglutinação ou separação em gêneros. A Imprensa do século XIX e XX
criou a figura do crítico profissional ao abrigar em suas páginas um texto
apreciativo de um espetáculo em cartaz no momento. Mas, isso gerou uma distorção: a ‘pena a
soldo’, típica do Jornalismo malsão.
Em quantos filmes vimos o Cinema
tratar dessa personagem ??? Quantas
vezes um filme mostrou a ‘troupe’ teatral esperando ansiosa nos bares ou
restaurantes a saída do primeiro jornal matutino com a crítica do espetáculo ??? Quantos filmes ??? Basta-nos lembrar da personagem interpretada
pelo ator George Sanders em “A Malvada”/All About Eve, de Joseph Mankiewicz,
com poder de vida e morte do espetáculo, e mais ainda, de criar uma nova estrela.
No Brasil, para estudar melhor o
assunto nos detivemos nos textos de Ely Azeredo, Sérgio Augusto e José Lino
Grünewald, entre outros. Eram outros
tempos em que os jornais de grande circulação no país abrigavam os textos da
chamada ‘crítica especializada’. Na
atualidade, para desespero das empresas jornalísticas, o seu público de
leitores fiéis e assinantes vêm caindo vertiginosamente – o salutar hábito
matinal de leitura acaba e é substituído por sucedâneos meios de informação, as
modalidades de TV, principalmente.
Quanto ao ‘povão’ basta-lhe a leitura das manchetes dos jornais
pendurados nas bancas de jornaleiros com que se sacia.
Na atualidade, em tempo das redes
sociais na Internet, a crítica cinematográfica voltou a ser exercida em alguns
‘sites’ e ‘blogs’ de Cinema como “Eugênio em Filmes” (http://cineugenio.blogspot.com.br)
ou o seu www.devotudoaocinema.com.br, entre outros importantes. Vejo por aqui na Internet uma salutar troca
imensa de informações sobre filmes atuais e dos clássicos nos ‘grupos’ que
pululam, sejam abertos ou fechados. Importante essa troca de opiniões sobre um
determinado filme entre os autonominados ‘cinéfilos’ – uma interrelação entre
desconhecidos que descobrem no outro a possibilidade de afirmar seus pontos de
vista particulares tanto em acordo quanto desacordo. Um espaço disponível à expressão de possível
discussão entre dois desconhecidos. Seria essa interação o que chamamos de
‘democratização’ cultural? Creio que o
Cinema esteja ganhando com essa prática.
No nosso entender, a função de
‘crítico de Cinema’ ou ‘de Filmes’ é importantíssima, pois, leva à leitura dos
textos os espectadores que desejam confrontar a opinião com a sua, de
leigo. Em tempos idos, alguns
espectadores só viam os filmes ‘bem falados’ ou elogiados pela crítica.
Felizmente, cremos que isso tenha acabado com a diminuição do público leitor da
palavra impressa nos jornais e revistas da Imprensa. E eis que se abre um
espaço ‘democrático’ para o exercício da Crítica cinematográfica.
O – Quando o cineasta brasileiro
consegue colocar um personagem na boca do povo, ele normalmente recua, não
investe mais naquilo. O sucesso popular sempre foi um tabu para os intelectuais
brasileiros. Tudo que faz sucesso perde o valor. Essa noção limitada de
marketing, alimentada pelo complexo de vira-latas, não atrapalha a construção
da indústria? Você acredita que mudando essa forma de pensar, abraçando o
sucesso popular como algo válido, o cinema nacional tende a crescer?
P - Aqui necessito ir por partes,
como gosta o nosso amigo Jack. Ou como
nos ensina o grande imperador César
quando afirma ser necessário ‘dividir para conquistar’ o que se pretende. O primeiro período da questão se encerra com:
“. . .
faz sucesso perde o valor (1- até aqui). (Início do 2) Essa noção
limitada de marketing. . . “ .
Esse primeiro período tangencia
uma bobagem disseminada por alguns realizadores ‘cinemanovistas’ das décadas de
60 e 70. Há registros, sim, de tais
ditos e repetidos, porém, cremos que foram proferidos como mecanismo de defesa
prévio antecipando o fracasso de bilheteria – algo como sucede no final da
fábula da raposa e as uvas ‘verdes’.
Quando se fala em ‘sucesso popular’ está se falando de ‘público’
destinatário de todo o processo de comunicação. E sem o público pagante
inexiste uma produção contínua de filmes o que caracterizaria a existência de
uma indústria cinematográfica. Chegou-se bem perto com a carioca Atlântida, ao
contrário da paulista Vera Cruz, na virada das décadas 1940 e 50, já que a
primeira optou pelo cinema de ‘entretenimento’ e diversão – uma das mais
eficazes faces ou máscaras do Cinema. Atrair o público através do
entretenimento foi a fórmula aparentemente inocente que forjou a indústria
hegemônica estadunidense, e sem abrir mão de colocar subjacentes mensagens
‘educativas’ – bem ao contrário do que jocosamente teria dito em autodefesa
perante o macarthismo o diretor e produtor William Wellman (teria alegado que
quem pretende enviar ‘mensagens’ se dirige aos correios e não ao cinema).
Agora, uma confissão perigosa: acreditamos
quem teria complexo de ‘vira-latas’ seria o nosso povo brasileiro, assaz
colonizado por anos e anos de exposição aos filmes de Hollywood. Filme
brasileiro para fazer sucesso de bilheteria no Brasil precisa ter o aval de
fora. Teria sido o caso histórico de “O Pagador de Promessas”, “Deus e o Diabo
na Terra do Sol”, “Vidas Secas”, “Toda Nudez Será Castigada”, “A Hora da
Estrela”, entre outros. Segundo o
diretor Roberto Farias o sucesso de “Dona Flor e Seus Dois Maridos” seria uma
exceção. Penso que nesse caso específico o aval teria vindo da Televisão com o
sucesso popular da atriz Sônia Braga. Assim como a bilheteria do filme “A Dama
do Lotação”. O derradeiro suspiro
cinematográfico do ator José Wilker que
importou sua personagem da telenovela para seu “Giovanni Improtta” parece não
ter funcionado. Como não funcionou no Cinema
as vezes que foi tentado usar o auge de popularidade televisiva da atriz
Regina Duarte como chamariz de bilheteria.
O – Seguindo a pergunta anterior,
da mesma forma como as chanchadas da Atlântida e Cinédia começaram a ser mais
valorizadas hoje, você acredita que esse ciclo de comédias da “Globo Filmes”, atualmente vistas como lixo
tóxico pela crítica, vai pelo mesmo caminho?
P - Tudo é possível, já que entendemos
o Cinema como um sucedâneo tecnológico da Fotografia. Indo além de sua antecessora, o Cinema traz
a perenidade ou imortalidade para as coisas e gentes gravadas em movimento. Duvidamos muito que o diretor Roberto Santos ao rodar em seu
filme “O Grande Momento” o antológico plano-seqüência do giro da personagem de
Gianfrancesco Guarnieri dizendo adeus à sua bicicleta tenha sequer imaginado
que em um ‘futuro não muito distante’ seria uma peça-chave para pesquisa de
estudiosos de História e/ou em Arquitetura e Urbanismo de uma São Paulo
desaparecida. Muito menos que a nova ordem mundial ordenaria que em um ‘futuro
não muito distante’ as ruas e avenidas das metrópoles de todos os países seriam pintadas do vermelho uniformizador das ‘ciclovias’.
Esse olhar nostálgico voltados
aos filmes da Cinédia e da Atlântida é importante para as novas gerações que
distraídas pela beleza ou feiura do próprio umbigo acreditam piamente que o
mundo começou apenas depois que eles nasceram. Usamos os Filmes do Cinema ou suas presenças na Internet em nossas
salas-de-aula – os acervos históricos da Cinédia, Atlântida e Vera Cruz
deveriam ser de domínio público. A
recepção dos filmes pelos alunos é fato inconteste. Mas, não basta ocupar o
tempo da aula com a exibição, isso seria e o que muito costumeiro, ‘matar
aula’. Sem a discussão em grupos não
deve sequer ser tentado.
Voltando à questão: acreditamos
que com o passar do tempo todo filme ganha importância – mesmo uma ficção
rasgada vira documental. Scorsese tem
razão! Temos que salvar os filmes,
independente do valor que a eles se agrega no momento. São registros, são
documentos que no futuro um pesquisador lançará mão para nem que seja analisar
o momento histórico de sua realização e seu entorno.
O – Considero “A Hora da Estrela”
um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos, o melhor em sua década.
Como esteve envolvido na produção, peço que compartilhe com meus leitores os
bastidores desse lindo filme, fale sobre sua experiência com a diretora Suzana
Amaral.
P - 1985 foi um ano emblemático para
uma dupla de sonhadores que ousou sonhar o sonho impossível (mais tarde
assumido como tal) de viver do trabalho especializado em Finalização e
Trucagens para filmes brasileiros de longa metragem. Até uma empresa criamos
para o intento, a 786 Produções – 6 de
Teatro; 7 de Cinema; e 8 de Televisão. De início, como éramos novidade a coisa
pareceu deslanchar – foi o ano de “A Dança dos Bonecos”, “A Hora da Estrela”,
“Brasa Adormecida” entre outros. A ‘fantasia erótica’ durou muito, uma teimosia
por cinco longos anos bem maior que a do
‘teimoso’ (alcunha como ficou conhecido o jacaré do Rio Tietê), de cavação de
trabalhos e dias maiores que 24h – até findar-se no “Kuarup”, de 1990, já no ‘black-out
cinematográfico’ total do governo Collor.
Somente no número 22, de
Março/Abril de 1986, de sua 5ª Série a Revista Cinemin finalmente trouxe publicada uma matéria produzida por nós da 786 Produções
sobre ‘os bastidores de “A Hora da Estrela”.
Explico: após assistirmos a cópia final do filme reunimo-nos (a 786 -
eu, o meu sócio Osvando - e a Suzana) em
minha casa para decidirmos o próximo passo e comemoramos o feito. Foi então que
aproveitando que tínhamos um acordo com a EBAL bolamos, os três juntos, a
matéria que somente após o sucesso alcançado pelo filme no Festival de Brasília
em 1985 e no Festival de Berlim, no início de 1986, veio à luz e com corrigendas
explicativas da editora da revista.
30 anos depois revisitamos tudo
isso, e com muita emoção, botamos tudo isso
para fora em meu filme “Ora (direis) ouvir estrelas!” para um evento
multimídia (estava na moda, então) produzido por nós que batizamos de “Clarice
Celebração” – a Suzana presente chorou e até hoje não me cobrou eu ter usado
planos do filme à sua revelia. Com ele, fomos premiados no Festival
Internacional Porto 7, na cidade do Porto/Portugal. Em 2014, nós, eu e a Suzana, reexibimos para
meus alunos de Cinematografia da UFRN – e a emoção foi a mesma!!! Declaração:
amo o que faço – Cinema e seu Magistério, amo meus alunos – atemporais, amo
Clarice – autora do livro “A Hora da Estrela”, e amo Suzana Amaral – criadora do
filme “A Hora da Estrela” – dois produtos autônomos de dois media de
comunicação, diferentes sim, mas com uma só emoção!
O – Quais os seus filmes
nacionais favoritos? Disserte à vontade sobre as razões das escolhas.
P - Temos a experiência em nossa vida
profissional de termos criado e mantido vivo por sete anos um CineClube voltado
para a 3ª Idade. Todos, esgazeamos
nossos olhos alternadamente para o futuro e passado enquanto estamos no presente
– essa sobreposição das três fatias do tempo é fato inconteste da mecânica
quântica (o Cinema já brincou com isso em “O Retrato de Jennie”; tangenciou o
tema em “Em Algum Lugar do Passado”; e o nosso Silveira Sampaio disso abusou no
seu filme experimental “A Vida Começa aos 40”).
Como gostaria de rever a
“Iracema, a virgem dos lábios de mel” incorporada pela Ilka Soares – minha
memória carinhosa mais antiga para mim do Cinema Brasileiro.
Final de infância e início da
adolescência foi um tempo como uma festa! Aí, sim! As comédias carnavalescas
(vulgo chanchadas) da Atlântida (Oscarito e Grande Otelo, e os cantores e
cantoras da Rádio Nacional) e em seguida aquelas de Herbert Richers (Zé Trindade
e Violeta Ferraz, entre outros grandes!) nos empolgavam e as filas para entrar
no cinema dobravam quarteirões (como então se dizia) – era um tempo anterior ao
CinemaScope da Fox que iria expulsar os filmes das outras cinematografias,
inclusive os filmes brasileiros das telas brasileiras.
Como curtimos rever a cópia
restaurada de “Tudo Azul”, do grande Moacir Fenelon, e o imenso prazer de
cantar juntos e nos emocionar com as estrelas do Rádio – talvez esteja nesse
filme a única fonte e oportunidade de se entender o que era um Rancho (arte e
cultura extintas do Carnaval carioca) e o seu andar de procissão e o lamento
ímpar da voz e imagem de uma Dalva de Oliveira. Criticado em sua época, hoje, nos leva ao
Sublime – os modismos? Passam!
Mas, felizmente ainda vimos os
filmes italianos, franceses, alemães, e, principalmente os mexicanos – dos dramalhões
da Pel-Mex chorando com as desventuras vividas pela cantante Libertad Lamarque
às boas risadas provocadas pelo impagável Cantinflas.
Não haverá uma terceira via! As
escolhas sejam lá quais forem trazem um mal que se traduz na perda dos outros
esquecidos. Elas somente existem em dois
planos – o racional e o emotivo. Uns filmes tem o poder de incomodar e a eles
voltamos sempre, outros, de nos sedar – com estes sonhamos.
“Absolutamente, Certo!”, de
Anselmo Duarte vale por um curso inteiro de História da Televisão – e, quando
foi produzido certamente não teria sido essa a intenção.
Temos “Rio, 40º” e “Rio, Zona Norte”,
ambos de Nelson Pereira dos Santos – indiscutível ‘pai’ do Cinema Novo. Rever sempre e a miúde “Os Cafajestes” de
Ruy Guerra. Mais a frente, os nossos
queridos e emblemáticos “Vidas Secas” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Afundar na filmografia de uma Odete Lara,
Glauce Rocha, Tônia Carrero – ver os não vistos e rever os que amamos. Urge reavaliar os menosprezados filmes de
‘Carlão’ Reichenbach (pensamos em seu “Anjos do Arrabalde – as professoras”,
que tanto orgulho nos traz); exibir sem parar “Brasa Adormecida”, de Djalma
Limongi Batista. Provocar a comparação
de “Absolutamente, Certo!” com o fantástico “A Hora Mágica”, de Guilherme Almeida
Prado.
Mostrar que Suzana Amaral, além de “A Hora da Estrela”, fez filmes lindos como “Uma Vida em Segredo” e “Hotel Atlântico”, comprovadamente leitora atenta da Literatura Brasileira e exímia criadora dos textos da Escrita Fílmica, escritora de filmes cinematográficos. Voltar no tempo e buscar a portuguesinha enlouquecida por Cinema Brasileiro, Carmen Santos – a que morreu de CB e sua parceria com o grande Humberto Mauro.
Mostrar que Suzana Amaral, além de “A Hora da Estrela”, fez filmes lindos como “Uma Vida em Segredo” e “Hotel Atlântico”, comprovadamente leitora atenta da Literatura Brasileira e exímia criadora dos textos da Escrita Fílmica, escritora de filmes cinematográficos. Voltar no tempo e buscar a portuguesinha enlouquecida por Cinema Brasileiro, Carmen Santos – a que morreu de CB e sua parceria com o grande Humberto Mauro.
Paremos por aqui!!! Pára,
coração!!!
O – Acredito que o cinema
nacional vai ganhar maturidade quando parar de se preocupar em ganhar Oscar, e
começar a limpar a própria casa, estruturar com seriedade o esqueleto de uma
indústria, destruir monopólios, começar a dar oportunidade para novos cineastas,
começar a experimentar com gêneros, em suma, levar a sério o processo. Nós não
nos preocupamos com a nossa memória cultural, os filmes antigos se perdem sem
restauração, é uma vergonha. Pessoas como a dona Alice Gonzaga, guardiã do
legado da Cinédia, não recebe apoio governamental em seu lindo trabalho de
preservação. Nossa indústria é medíocre, porque as pessoas que comandam o jogo
são medíocres, pensam pequeno. Temos muito a aprender com as indústrias de
cinema estrangeiras. Peço que disserte sobre essas questões.
P - A colonização cultural promovida pelo cinema
hollywoodiano não é tarefa de fácil enfrentamento.
Desde os velhos tempos nos albores da década de 1950 da longa amizade entre os senhores Harry Stone e Roberto Marinho que não há decisão sobre rumos e desenvolvimento do Cinema Brasileiro que não sejam monitorados. Em nossa pesquisa acadêmica enfatizamos o ano de 1954 como o ‘ano emblemático’ do confronto não aberto que se desvelou e acirrou a investida estadunidense de cristalizar sua hegemonia industrial do Cinema no Brasil e os nossos profissionais de Cinema que, após se reunirem em dois congressos nacionais (Rio, 1952 e São Paulo, 1953), foram soterrados pela avalanche de velhas e novas estrelas de Hollywood trazida para o Festival Internacional de São Paulo, quatrocentos anos em 1954.
Entre nossas fontes principais de pesquisa salientamos as revistas “A Cena Muda” - revista do nº5 (3-2-1954) ao nº 12 (24-3-1954); Iº Festival Internacional de Cinema do Brasil – Programação Oficial”. Revista-livro do Iº Festival Internacional de Cinema do Brasil, realizado em São Paulo-capital entre os dias 12 e 26 de fevereiro de 1954 dentro das festividades comemorativas do 4º Centenário de Fundação da Cidade de São. São Paulo: Revista Elite, 1954; “Jornal do Cinema”. Revista, edição Ano III, nº3 de Março-Abril – 1954. Rio de Janeiro: Jornal do Cinema, 1954.
Desde os velhos tempos nos albores da década de 1950 da longa amizade entre os senhores Harry Stone e Roberto Marinho que não há decisão sobre rumos e desenvolvimento do Cinema Brasileiro que não sejam monitorados. Em nossa pesquisa acadêmica enfatizamos o ano de 1954 como o ‘ano emblemático’ do confronto não aberto que se desvelou e acirrou a investida estadunidense de cristalizar sua hegemonia industrial do Cinema no Brasil e os nossos profissionais de Cinema que, após se reunirem em dois congressos nacionais (Rio, 1952 e São Paulo, 1953), foram soterrados pela avalanche de velhas e novas estrelas de Hollywood trazida para o Festival Internacional de São Paulo, quatrocentos anos em 1954.
Entre nossas fontes principais de pesquisa salientamos as revistas “A Cena Muda” - revista do nº5 (3-2-1954) ao nº 12 (24-3-1954); Iº Festival Internacional de Cinema do Brasil – Programação Oficial”. Revista-livro do Iº Festival Internacional de Cinema do Brasil, realizado em São Paulo-capital entre os dias 12 e 26 de fevereiro de 1954 dentro das festividades comemorativas do 4º Centenário de Fundação da Cidade de São. São Paulo: Revista Elite, 1954; “Jornal do Cinema”. Revista, edição Ano III, nº3 de Março-Abril – 1954. Rio de Janeiro: Jornal do Cinema, 1954.
Em 2015, no Congresso Nacional da
Intercom, realizado em setembro na Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ,
apresentamos uma comunicação com os resultados de nossa pesquisa, sob o título ‘Alma
Llanera ou El Cine en Portunhól: “Êsse Rio Que Eu Amo” - A interação cultural latino-americana entre
Brasil/Argentina, mediada pelo Cinema’.
Nesse texto tivemos a oportunidade
de expor nosso pensamento que responde às questões suscitadas que nos foram
propostas, acreditamos. A seguir,
reproduzimos parte do texto em que Cinema e identidade nacional ficam expostos
além de situarmos o Brasil em um contexto maior:
Mesas-redondas foram promovidas
pela APC (Associação Paulista de Cinema) nos dias 30 e 31 de agosto e 1º de
setembro de 1951. O impulso inicial às
Mesas-redondas foi dado por Alberto Cavalcanti, que elaborou o anteprojeto do
Instituto Nacional do Cinema. Após a
experiência das Mesas-redondas da APC, foi realizado o I Congresso Paulista do
Cinema Brasileiro, nos dias 15, 16 e 17 de abril de 1952. De cujas resoluções
finais, consta a definição do filme nacional.
As discussões sobre o projeto do INC, de Alberto Cavalcanti, acirraram
os ânimos e incentivaram a ampliação das discussões com os cineastas do Rio de Janeiro. Preparava-se, desse modo, o terreno para o I
Congresso Nacional do Cinema Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, entre os
dias 22 e 28 de setembro de 1952. Dentre
suas resoluções a reafirmação da definição de filme brasileiro aprovada no
congresso paulista e preconiza-se, em resolução, a utilização de temas e
histórias nacionais na elaboração dos filmes brasileiros – a tônica de
nacionalismo e brasilidade. Homenageava a cineasta Carmen Santos,
recém-falecida. O II Congresso Nacional
do Cinema Brasileiro foi realizado em São Paulo, no período de 12 a 20 de
dezembro de 1953. Foi dedicado a Moacyr Fenelon, que no ano anterior
participara ativamente do I Congresso e nos preparativos desse II, e que morre
antes de seu início. A homenagem foi considerada justa pela expressão e
atividades anteriores de Fenelon, considerado um batalhador incansável da causa
e defesa do Cinema Brasileiro.
Resumindo:
A partir da visão que o Cinema
seria o necessário registro da cultura local a ser preservada é que em todos os
cantos do mundo trataram de criar a sua Cinematografia Nacional daí surgindo
também o que chamamos de ‘Cinema Argentino’ e ‘Cinema Brasileiro’ e ‘Cinema
Italiano' e 'Cinema Indiano' . . .
Ante a força hegemônica mundial
do Cinema dos EUA, é de consenso geral que nos países em que sua cinematografia
e sua indústria se mostram claudicantes, dado sua importância cultural interna,
exige-se sim a intervenção do estado, sem essa de acreditarmos no discurso
neoliberal de ‘livre mercado’ e na ilusão da vitória davídica – somos e temos
sido sempre um cansado Daví roto e esfarrapado tentando a mera sobrevivência
enquanto o nosso Cinema jaz em costumeira UTI.
O – E, para finalizar, peço que
deixe uma mensagem especial para meus leitores, apaixonados por cinema como
nós.
P - É, em virtude de sermos um tanto
avessos às propensões das ideias apocalípticas tão a gosto da maioria – vide
‘fim da História’; ‘fim da luta de classes’; ‘a morte do Humanismo’; ‘a morte
do Livro”; ‘a Televisão vai matar o
Cinema’; entre outros ‘pequenos assassinatos’ e falácias – que celebraremos o miolo ao invés dos
extremos escatológicos da Filosofia.
Cremos que seja entre os extremos
é que nos situamos dentro de algo que se chama Vida e as suas ‘Mil Histórias
Sem Fim’, tão sem fim a História que um escritor francês afirmou que somente os escritores colocam
‘ponto final’(Gide) enquanto Vida e História sempre continuam.
Assim vejo o Cinema. Filho da Fotografia e costela do Teatro,
nascido na França no ‘fin du siècle’ e em plena ‘belle époque’ irrompe no
século XX promovendo a primeira e a
maior convergência de artes e modos e meios da História. Explode na Itália nas primeiras décadas do
novo século e exibe sua plenitude de a ‘Grande Arte Moderna’ e ‘Arte Total do
Século XX’, a reunir literatos e músicos e atores no histórico “Cabiria” de
Giovanni Pastrone inaugurando o ‘Espetáculo’ que fazia multidões do mundo
inteiro acorrerem às salas de exibição da novidade ‘Cinematógrafo’.
O desenvolvimento acelerado das
Ciências e de sua irmã gêmea, a ‘Tecnologia’ tratou de ataviá-lo com o som e as
cores e ele foi se transmutando e apresentando-se ao mundo com novas máscaras
sem nunca perder sua característica principal de se mostrar por meio de imagens
com Alma, animadas e, portanto com Vida, vivas – sejam desenhadas ou fotografadas. Assim chega até nós e nos sucederá enquanto
houver meio de difusão ou suporte que o eternize. Em seus primórdios, bastava exibir imagens
vivas para assombrar seu público – as pequenas e médias e longas metragens
viriam depois que a tecnologia lhe provesse de meios. Em suma, ao longo de seus mais de cem anos
de existência e História: o Cinema mostrou-se independente tanto de modos de
captação e fixação de suas imagens quanto de suportes e meios de difusão.
No mais atual espaço onde se
exibe, na Internet, o Cinema retoma seus primeiros passos e se satisfaz com a
inserção de ‘filmetes’ como os de outrora, de outra hora perdida no passado à
moda dos primeiros filmes dos irmãos Lumière e do enlouquecido Méliès (obrigado
Scorsese pelo seu “HUGO”).
No mais, as pessoas de nossa
geração somos remanescentes ou sobreviventes da primeira grande convergência
mediática provocada pelo Cinema, no início do século passado quando aglutinou
os consumidores das Literaturas – seja em Livros, Jornais ou Revistas, e
chamando para si os seus milenares antepassados da Arquitetura e seus espaços e
objetos cênicos, da Música e da Dança e o Drama Teatral reunidos pelos gestos e
palavras, e, principalmente, o emergente e coetâneo Rádio.
Também devo ao Cinema, quase
tudo!
Ótima e enriquecedora entrevista.
ResponderExcluirJuro, Maria Cecília Peixoto, que só ontem (03/02) a noite, fui pagar meu tributo à dupla de mestres, Federico Fellini e Ettore Scola, na homenagem que supostamente o segundo prestou ao primeiro em seu filme que poderíamos classificar de gênero 'documentário'. Na verdade, trata-se do elogio ao Amor e Amizade que ambos co-dividiam, e juntos ao Cinema. Lá pelas tantas, uma personagem (o pintor) explica a razão de chamar-se Cinema de 7ªArte. Lembrei-me do último parágrafo que escrevi nessa entrevista. Senti-me recompensado!
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