segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Entrevista com Rafael Spaca, autor do livro: "O Cinema dos Trapalhões"


Em mais uma entrevista exclusiva para o "Devo Tudo ao Cinema", converso com o escritor Rafael Spaca, responsável pelo livro: "O Cinema dos Trapalhões - por quem fez e por quem viu", que promete preencher uma grave lacuna, já que os filmes do quarteto sempre foram desprezados por grande parte da crítica, ainda que amados pelo público. 


O - Rafael, como o cinema dos Trapalhões impactou sua vida? Disserte sobre sua experiência pessoal com os filmes do quarteto (o primeiro que assistiu, o mais marcante e a razão). E como nasceu a ideia de preparar esse livro?

R - Os Trapalhões contribuíram, juntamente com outros elementos e referências que tenho, para influenciar minhas escolhas profissionais. Eles promoveram grandes experiências sensoriais na minha infância. O impacto foi de tal maneira que me motivou a escolher esse caminho (da produção e da pesquisa cultural) como meio de vida. Minha primeira ida ao cinema, levado pelos meus pais, foi para ver “Os Trapalhões e o Rei do Futebol”. Com as exibições na televisão e a chegada do videocassete, consegui acompanhar toda a filmografia deles.

Esse livro nasceu da vontade de preencher uma lacuna: a bibliografia relacionada aos Trapalhões é ínfima perto da importância que eles possuem na nossa história fílmica.

O - Durante muitos anos a crítica silenciou a respeito desses filmes. Como você analisa essa reação de parte da crítica com os filmes populares?

R - A crítica não silenciou, ao contrário, ela esculachou os filmes dos Trapalhões.

Hoje, com o distanciamento histórico, e com uma nova geração de críticos que não possuem um olhar enviesado para o popular, os Trapalhões se tornaram cults. Acredito que em breve serão reavaliados em festivais e mostras de cinema pelo país. 

O - É uma pena que muitos ignorem a importância de Dedé Santana nos bastidores. Ele atuou como diretor informal em alguns filmes, tendo aprendido com J.B. Tanko e Adriano Stuart, além de dirigir oficialmente alguns projetos, como "A Filha dos Trapalhões". Aborde essa faceta pouco comentada dele, com base nas pesquisas que realizou para o livro.

R - Dedé Santana é um artista nato. Natural do circo, a arte corre em seu sangue. Leva até hoje todo o conceito do circo para a sua vida: alia talento com esforço, dedicação e a paixão pelo ofício. Transitou em quase todas as áreas do cinema. Chegou a produzir filmes na Boca do Lixo de São Paulo. Além de ser considerado o maior escada de todos os tempos, com sua vontade de fazer acontecer, chegou a dirigir filmes dos Trapalhões, e se saiu muito bem. Ainda hoje sua importância é subestimada.

Sem Dedé Santana nenhuma piada nos Trapalhões teria o efeito que tinha. Ele é um dos gigantes da nossa comédia.

O - É comum dizer que Zacarias, o Mauro Gonçalves, era o grande ator do grupo, até por ele ter sido o único que realmente encarnou um tipo caricato. Mas poucos entendem que Mussum, com sua naturalidade fantástica, fazia algo também muito difícil. Dedé, o escada, um dos trabalhos mais difíceis para um ator. O comediante é sempre desvalorizado, ainda que faça o mais difícil. Marlon Brando, por exemplo, não conseguiria fazer "escada" com a competência de Dedé. Como você analisa cada membro do quarteto, no que tange a atuação deles, especialmente nos filmes.

R - A comparação feita no Brasil sempre é feita para nivelar (por baixo), simplista demais. A análise tem que ser muito mais complexa do que nominar bom ou ruim. O que seria dos Beatles e dos Rolling Stones sem um ou dois dos integrantes da sua base? Certamente a nossa percepção seria outra a respeito deles.

Os melhores filmes dos Trapalhões, à exceção de “Uma Escola Atrapalhada”, têm os quatro no elenco. Ou não?


O - Qual diretor que trabalhou com o grupo você considera que agregou mais qualidade à filmografia deles? Disserte à vontade sobre as razões.

R - São dois. J.B.Tanko pelo tempo da parceria, pelos clássicos que realizou e pelo conceito de cinema e de linguagem que atrelou aos Trapalhões, e José Alvarenga Jr., um iconoclasta que ousou desafiar certos tabus (como a questão da afetividade, do relacionamento amoroso do personagem Didi nos filmes) e deu um sopro de energia e de magia nos últimos filmes do quarteto.

O - Já na fase final dos filmes, o product placement foi ficando cada vez menos sutil, assim como deram espaço para a participação cada vez maior de grupos musicais como Dominó e Polegar, além de participações nada gloriosas de figuras como Gugu e Conrado. Como você analisa o envolvimento desses artistas nos projetos? Desses últimos filmes, quais são os que você considera que tenham sublimado esses obstáculos mercadológicos (e a razão)?

R - O ingresso destes artistas com apelo no público jovem foi para manter e também atrair mais público nas salas de cinema. Os Trapalhões começaram a dividir o protagonismo. Não gostei dessa estratégia. A mim sempre causou um estranhamento. Na minha visão eles eram autossuficientes o bastante para utilizar este tipo de expediente.

É possível notar no roteiro que a história ganha uma gordura desnecessária para atender a mais personagens na história do filme. O público, em sua maioria, não reclamava e isso se tornou um padrão. 

O - Tem alguma história divertida/curiosa dos bastidores de sua pesquisa, do contato com os artistas para o projeto do livro?

R - O que mais me emocionou durante a produção deste livro foi o engajamento dos profissionais que se dispuseram a falar comigo. Todos, sem exceção, demonstraram grande satisfação ao saber que estava a caminho um livro a respeito dos Trapalhões. Me ajudaram indicando profissionais e assim fui construindo uma rede de contatos que me permitiu entrevistar mais de 130 profissionais.

Uma curiosidade: o livro terá dois álbuns de fotos. Essas imagens foram cedidas pelos próprios entrevistados que disponibilizaram o seu acervo para compartilhar com os leitores. Muitas imagens são raras e inéditas.


O - Qual você considera que é o maior legado do quarteto para o cinema nacional, não na questão da bilheteria, já muito explorada, mas no que tange a qualidade do conjunto de obra?

R - Os Trapalhões mantiveram acessa a chama do cinema nacional. Criaram postos de trabalho, revelaram talentos, formaram plateias, criaram o hábito de ir ao cinema em milhares de pessoas.

Agora, pra mim, o mais significativo: fizeram um cinema para a família.

O – Os meus três filmes favoritos dos Trapalhões são: “Cinderelo Trapalhão”, “Os Saltimbancos Trapalhões” e “Os Trapalhões no Auto da Compadecida”. Quais são os seus três filmes favoritos do grupo (e a razão)?

R - “Os Trapalhões e o Rei do Futebol” por marcar minha primeira ida ao cinema. “Os Saltimbancos Trapalhões” e “Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão”. Eles estavam no auge nestes dois filmes.

O - Rafael, por gentileza, deixe uma mensagem final para os meus leitores, e, fique à vontade para divulgar os eventos de lançamento do livro.

R - O livro “O Cinema dos Trapalhões – por quem fez e por quem viu”, sairá pela Editora Laços. Faremos dois lançamentos no mês de abril. Um em São Paulo (https://www.facebook.com/events/1194204233967168/) e outro no Rio de Janeiro (https://www.facebook.com/events/1661941954058570/).

Convido todos os leitores a irem ao lançamento. Será uma grande oportunidade de encontrar ou reencontrar muitos profissionais que ajudaram a construir a história do grupo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário