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Possessão (Possession - 1981)
Nessa polêmica trama de amor obsessivo e psicose sexual,
Isabelle Adjani e Sam Neill estrelam como um casal atormentado pela
instabilidade emocional e a infidelidade carnal.
À primeira vista encontro dificuldade em categorizar a obra
em algum gênero específico, já que possui muitos elementos de horror, ainda
que, em seu cerne, seja um drama existencialista. Evitarei revelar alguns
pontos nesse primeiro parágrafo, para preservar a experiência daqueles que
ainda não conhecem o filme. O diretor polonês Andrzej Zulawski conduz sua
narrativa utilizando metáforas. Muito pouco do que se vê pode ser compreendido
de forma literal, o que transforma várias cenas em pesadelos perturbadores que
fariam o David Lynch ficar arrepiado. Ao mesmo tempo, essa escolha criativa
pode tornar a obra incompreensível para o tipo de público que espera algo mais linear.
A obra fala direto ao emocional, deixando para a razão uma participação
meramente figurativa. Poucas cenas no cinema ficaram tão gravadas na minha
memória quanto os encontros furtivos de Adjani e o seu misterioso amante, num
apartamento soturno e decrépito. “Possessão” é, acima de tudo, um relato muito
pessoal do diretor sobre as consequências do fim de um relacionamento. Uma
experiência intensa e inesquecível. Ok, você ficou interessado? Veja o filme e
volte para ler o restante do texto.
É interessante que muitos enxerguem a referência ao trabalho
de H.P. Lovecraft na figura da bizarra criatura, criada por Carlo Rambaldi, que
satisfaz sexualmente a protagonista, mas esse elemento não seria suficiente para
explicar como a trama ganha pontos em revisões, sempre revelando novas camadas
de interpretação. A reviravolta certamente impressiona na primeira sessão, chegando
até a eclipsar a mensagem central, mas o que se sobressai na revisão é a
profundidade filosófica com que o relacionamento do casal é tratado. O filme,
como os textos dos grandes pensadores, propõe o choque, o insuportável desconforto,
como forma de incitar o inconformismo. Sem exagero, pode ser comparado a alguns
trabalhos de Ingmar Bergman, como “Cenas de Um Casamento” e “Persona”. O
monstro, a cada encontro, vai se tornando mais humano, enquanto os humanos vão
se tornando cada vez mais instintivos e animalescos.
A cena forte ambientada numa passagem subterrânea pode ser o
momento mais lembrado, sua simbologia é irretocável, mas gosto mais da forma
como a trama trabalha o personagem Bob, o filho pequeno do casal, a ponte que impede
a separação total dos dois apesar de toda a hostilidade que dominou a relação,
passa grande parte do filme se escondendo, sendo impelido a passar o maior
tempo possível sem respirar, como se desafiasse ludicamente sua própria morte, representada
pelo divórcio dos pais, já que ele é o “produto” nascido daquela união. Ele acaba perdendo a batalha contra a estupidez egoísta dos adultos, enquanto o monstro se torna uma réplica idêntica do marido, para o espanto do moribundo. A mulher repete o erro, movida pelo desejo carnal que faz o ser humano trocar frequentemente seis por meia dúzia.
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