Violência Gratuita (Funny Games – 1997)
O que seria um bucólico período de férias à beira de um lago,
transforma-se num pesadelo quando uma família recebe a visita de um casal de
jovens psicopatas, que os submetem a um tenso jogo de tortura psicológica.
Quando me pedem sugestão de filmes sobre a temática da
psicopatia, ao invés de optar pelos óbvios “Psicose” e “Laranja Mecânica”, ou “O
Silêncio dos Inocentes”, cito dois menos conhecidos: “Henry – O Retrato de Um
Assassino”, uma atuação irrepreensível de Michael Rooker como o assassino Henry
Lee Lucas, e “Violência Gratuita”, que depois viria a ser desnecessariamente
refilmado de forma quase idêntica pelo próprio Michael Haneke. O toque genial
do roteiro é sugerir que o público se identifica com os dois psicopatas, uma
relação de cumplicidade firmada em alguns momentos de quebra da quarta parede, culminando
na sequência mais ousada em forma e conteúdo, quando o rebobinar da fita nega às vítimas qualquer possibilidade de revide.
Analise o comportamento do brasileiro que consome diariamente
programas policiais sensacionalistas, da hora do almoço até o jantar, um show
de violência apresentado por broncos que berram por sangue e lágrimas, pois
sabem que se o sequestrador demorar mais com o revólver na cabeça da vítima, essa
tensão vai se refletir imediatamente numa audiência mais expressiva. O tipo mais
desprezível de jornalismo, que só existe na televisão brasileira com tantas
opções porque há uma quantidade absurda de abutres que consomem vorazmente esse
material imundo. O que difere o espectador desses programas e o personagem Paul,
o mais sádico da dupla? O ser humano está deixando a bestialidade tomar conta
de seus atos, corrompendo o caráter e cavando a própria sepultura existencial.
Quando Paul brinca de “quente e frio” com a mulher, enquanto ela procura
desesperada o seu cachorro que foi brutalmente assassinado, ele olha nos olhos do
espectador e sorri. A raça humana está perdendo o senso de empatia, contaminada
por discursos de ódio, incentivada pelo próprio sistema a tomar posições em
guerras estúpidas, como forma de facilitar a manipulação. O rapaz das luvas
brancas sabe que você prefere ver o sofrimento dela por mais tempo, então ele
complica a brincadeira.
As cenas longas, trabalhadas como forma de intensificar o
desconforto. A câmera, quase sempre estática, facilitando uma rápida imersão, força
o olhar na direção da degradação familiar, conduzindo você a refletir sobre a
cultura do medo, o fascínio pelo sangue no asfalto, os vídeos de mutilações que
esse público que voa baixo sobre a carniça compartilha avidamente nas redes
sociais, disfarçando o sadismo compactuado com o hipócrita capuz da indignação.
Ao optar conscientemente por não mostrar a nudez da mulher, obrigada pelos
rapazes a ficar nua na sala diante do marido e do filho pequeno, mantendo o
enquadramento acima da linha do pescoço, o diretor sabe que boa parte do
público masculino irá desejar que ele tivesse passeado com a câmera pelo corpo
dela. Na realidade, o espectador é o responsável por pegar o controle remoto e
prolongar ainda mais aquele espetáculo de dor e sofrimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário