quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Ousadia Crítica de Sylvio Back


“Eu não sou um cineasta que gosta de contar histórias, ainda que eu goste de ver filmes que contem histórias”.

É compreensível que uma boa parte do público brasileiro não conheça o trabalho do diretor Sylvio Back, apesar de seu conjunto de obra representar, na opinião desse escriba, uma das filmografias mais coerentes e autorais de nossa indústria. Ao analisar com atenção a seleção dos temas que ele abordou, em ficção e documentário, enxergo uma qualidade muito pouco interessante para a grande mídia, o que explica em parte o seu obscurantismo no cenário mainstream, a ousadia crítica de evidenciar as mentiras que se escondem nas histórias oficiais, escritas sempre pelos vencedores. Ele não parte de um pressuposto fechado ao abordar os temas em seus documentários, estando sempre aberto para mudar de ideia durante as pesquisas, por vezes, resultando em um produto totalmente antagônico ao que ele inicialmente havia projetado. Numa comparação livre, Back pode ser considerado o oposto de um Michael Moore, que parece construir seus filmes ao redor de uma verdade absoluta.

Em “Lost Zweig”, ele descobre que o protagonista era bissexual, o que o leva a inserir contornos psicológicos diferentes no personagem, enriquecendo o produto final. Em “Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro”, optando por realizar um musical sem músicas, narrado em estrofes, recebeu o desprezo da comunidade negra na época da estreia, exatamente por ter evitado o vitimismo na composição do personagem. Outro passo arriscado foi explorar a participação da força expedicionária brasileira na Segunda Guerra Mundial, em “Radio Auriverde”, focando no viés tragicômico da relação entre os Estados Unidos e o Brasil na época do confronto. Tudo que é pouco comentado, ou comentado apenas superficialmente com um verniz muito aparente, tem em seus alicerces históricos um grande fundo de mentiras. O escrutínio não somente é desmotivado, evitado, mas, também, causa a dor de um punhado de sal em uma ferida aberta.

O que considero genial é a forma como ele questiona o público, em “O Contestado – Restos Mortais”, retornando ao assunto de seu clássico "A Guerra dos Pelados", alternando os depoimentos de historiadores e idosos habitantes do local, com o registro de vários médiuns em transe recebendo os espíritos dos envolvidos na Guerra do Contestado. Um recurso que muitos críticos viram como absurdo nonsense, sem entender o jogo do cineasta, que, vale ressaltar, não é espírita. Com essas imagens, Back repete o mesmo cenário de crendices sobrenaturais que ajudaram a fomentar o evento original, ocorrido entre 1912 e 1916, com os médiuns substituindo as virgens que recebiam o espírito do monge. Na visão desse escriba, o cineasta aponta um dedo crítico em nossa sociedade, evidenciando que, passados todos esses anos, continuamos acreditando no inacreditável, e, mais que isso, que o fanatismo religioso ainda exerce poder destruidor nas mentes fracas de um povo analfabeto cientificamente. Os tentáculos dessa máquina operam até mesmo na política. Qual cineasta nacional ousaria esse viés?


Para celebrar a obra desse corajoso catarinense, a distribuidora Versátil, com curadoria impecável de Fernando Brito, está lançando as caixas “Cinemateca Sylvio Back, Vol. 1 e 2”, com os filmes: (Vol. 1) “Aleluia, Gretchen”, “Radio Auriverde”, “A Guerra dos Pelados”, “Guerra do Brasil”, “Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro”, “Yndio do Brasil”, (Vol. 2) “O Contestado – Restos Mortais”, “O Universo Graciliano”, “Lost Zweig”, “Lance Maior”, “República Guarani” e “Revolução de 30”. 

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