Creed: Nascido Para Lutar (Creed - 2015)
Com uma estrutura similar a do recente “Star Wars – O Despertar
da Força”, a trama reaproveita basicamente o esqueleto narrativo do filme
original, com inserções de trechos que remetem aos melhores momentos das
sequências. Não é original, nem pretende ser, o diretor/roteirista Ryan Coogler
busca homenagear o histórico da franquia, emocionar os fãs antigos e abrir
possibilidades para possíveis continuações. O que importa é analisar o grau de
eficiência dessa tentativa. O passo mais arriscado, o elemento novo, representado
pelo personagem vivido por Michael B. Jordan, o filho de Apollo Creed, é um
tremendo sucesso. O ator é competente, tem carisma, e o contexto psicológico em
que ele é mostrado, da infância complicada em reformatórios juvenis, passando
pela negação da figura paterna, até a oportunidade de ouro no boxe, é uma
jornada interessante, talvez não tanto quanto a do cobrador de agiota que se
recusa a agredir pessoas fora dos ringues, apaixonado pela tímida atendente de
pet shop.
Mas não há necessidade dele ser o foco da atenção, temos a
presença do próprio Rocky Balboa, em mais uma entrega honesta de Sylvester
Stallone, um ótimo ator que, somente agora, com o aval da premiação no Globo de
Ouro e o aplauso da crítica internacional, verá boa parte do público se
sentindo finalmente confortável em elogiar. A realidade é que Stallone, além de
eficiente roteirista e diretor, já havia provado ser um ator competente em “Os
Falcões da Noite”, de 1981, e “Copland”, de 1997, além do fato de ter mais
carisma no dedo mindinho, do que muito ator hypado pelos pseudointelectuais. Voltando
a abordar o filme, outro ponto arriscado, a substituição do compositor Bill
Conti, o responsável por uma das trilhas sonoras mais icônicas da história do
cinema. O sueco Ludwig Göransson consegue criar um tema poderoso para o
protagonista, uma melodia que reflete a vulnerabilidade emocional de um rapaz
no caminho do entendimento do perdão, mas, também, estabelece a mesma pegada inteligentemente
simples e empolgante da fanfarra imortalizada por Conti. É uma trilha que
complementa musicalmente o legado cinematográfico de Rocky.
O interesse romântico, assim como a ideia de que o que
importa não é vencer, mas, sim, manter-se vivo na luta, revidando os golpes da
vida até o soar do gongo final, é parte fundamental na mitologia da franquia.
Não são filmes sobre boxe, as lutas são utilizadas como alegorias para
conflitos que todos nós vivenciamos no nosso cotidiano. Tessa Thompson vive uma
cantora que sofre com perda gradual de audição, um drama que não é tocado pelo
roteiro com mão pesada, o que é sempre uma atitude bem-vinda, porém, a jovem é
esquecida no terceiro ato, o que prejudica a conexão emocional. Basta você se lembrar
da Adrian na luta do original, aquele momento em que ela fecha os olhos por um tempo,
enquanto escuta o som dos golpes no corpo de seu namorado, a carga emocional
que essa breve cena silenciosa carrega, intensificada pela composição bem
estruturada da personagem nos dois primeiros atos. Em “Creed”, a paixão do
casal soa um pouco forçada, construída de forma rápida. Fica faltando uma
sequência como a da solitária patinação no gelo, onde Rocky e Adrian se mostram
vulneráveis. Adonis e Bianca vendem bem o aspecto do desejo natural, mas o
companheirismo não é trabalhado de forma orgânica no roteiro.
O ponto mais fraco é a figura insossa do antagonista, o
lutador Tony Bellew, sem carisma e defendendo um personagem que não vende ser
uma ameaça no ringue, tampouco, uma personalidade que incite no público o
necessário ódio. Ele é o oponente mais apático da franquia, conseguindo bater a
insignificância representada por Tommy Morrison e Mason Dixon. Com o senso de
ameaça existindo apenas em teoria, sobra para o público focar sua atenção na
relação que se forma entre Adonis e Rocky, o coração pulsante do filme. Nesses
momentos de interação, com inserções muito eficientes de humor, é que “Creed” se
torna grande, mais do que um filme, um evento da cultura pop. Sem revelar
muito, o que me impossibilita de aprofundar a análise sobre a amizade dos dois, afirmo que
as lágrimas me tomaram de assalto em, pelo menos, três sequências. O respeito
com que Coogler abordou a mitologia do personagem, mostrando conhecer muito bem
cada curva da jornada dos seis filmes anteriores, transparece especialmente
nessas cenas, nunca resvalando no sentimentalismo barato.
É um reboot disfarçado? Sim, em vários aspectos. Mas quisera
todos os filmes originais que são produzidos, muitos deles direcionados ao
umbigo dos realizadores, exalassem pelo menos 1/3 desse profundo amor pelo
próprio material, ou fossem medianamente eficientes em suas propostas. “Creed”,
assim como os melhores filmes na franquia, é uma experiência emocional
incrivelmente satisfatória.
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