Carol (2015)
Boas adaptações cinematográficas fazem você querer conhecer
o livro original. Apesar de gostar das obras da escritora Patricia Highsmith,
ainda não tinha lido “Carol”, que acabei devorando no dia seguinte à sessão do
filme. Na época do lançamento, início da década de cinquenta, a autora sentiu
necessidade de usar um pseudônimo. E essa mentalidade retrógrada na sociedade,
fundamentada num desastroso analfabetismo científico que é alimentado por uma
cultura que encoraja segregação e discursos de ódio, não mudou em sessenta
anos, continua inspirando medo em todos os artistas que cogitam abordar o tema.
O impecável roteiro de Phyllis Nagy inteligentemente opta
por suprimir passagens mais amargas do livro, como a participação da patética Sra.
Robichek, que funciona como uma depressiva visão do que poderia ser o futuro de
Thérese (Rooney Mara), caso ela decidisse seguir vivendo em conformista
silêncio. O foco da adaptação no relacionamento das duas mulheres, aliado à
elegância com que a direção de Todd Haynes aborda cada sequência, além de ser o
grande mérito do filme, possibilita a expansão de um elemento importante, um
terceiro protagonista, a linda trilha sonora composta por Carter Burwell. Coerente
àquela realidade vivida pelas personagens, duas indesejáveis estatísticas remando
contra a corrente, impossibilitadas de se expressarem romanticamente em
público, até mesmo por não compreenderem plenamente seus próprios sentimentos,
a música é criada então como uma tentativa minimalista de codificar os olhares,
o tremor da ansiedade inexplicável, o arrepio ao toque da pele, o caminho
proibido que as duas, quase que instintivamente, decidem trilhar. Nos momentos tristes,
a música não se perde em sentimentais odes à dor, como é usual no cinema, mas,
sim, na perturbadora solidão causada pelo ato.
Quando o carro sai do túnel, no primeiro passeio das duas, a
luz forte se assemelha a uma experiência de renascimento para elas, com a
pureza de bebês, intocados pela estupidez dos adultos e seus dogmas, livres
para amar da forma que quiserem. Diferente do livro, que insinua que o carinho
despertado por Carol (Cate Blanchett, como sempre, excelente) na jovem pode ser
explicado psicologicamente por uma carência de figura materna, o roteiro
reforça o caráter genuíno, natural, do sentimento, eliminando o compreensível viés
amedrontado pensado pela escritora. Até mesmo a incrível semelhança de Mara com
Audrey Hepburn, maquiagem e adereços, possui interessante simbolismo, traçando
um paralelo entre ela e a personagem de Hepburn em “A Princesa e o Plebeu”, uma
princesa entediada que, abraçando o anonimato, embarca em uma viagem de
exploração, inclusive, interna. O tédio faz parte da rotina de Thérese, vendedora
em uma loja de departamentos, acostumada a ser incentivada pela gerência a se
adequar a um padrão, simbolizado na cena em que ela lê o manual de condutas da
empresa. A delicadeza na interação com aquela enigmática mulher que a aborda
numa manhã, o gradual desejo cuidadosamente trabalhado nas primeiras conversas,
a preocupação da jovem com a latente agressividade do marido de Carol, todas as
etapas nessa relação conduzem naturalmente ao sexo, porém, até mesmo nessas
cenas, a câmera se mantém por mais tempo nos olhares, no toque dos lábios,
afinal, a coreografia dos corpos importa menos que a alegria do contato finalmente
satisfeito.
“Carol” é um romance fascinante, brilhantemente emoldurado
pela fotografia de Edward Lachman. Desde já, um dos melhores filmes do ano.
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