Link para os textos do especial:
No Mundo de 2020 (Soylent Green – 1973)
Visto por muitos como um filme menor, normalmente esquecido
quando se mencionam as obras de ficção científica com temática apocalíptica da
década de setenta, considero essa obra, dirigida por Richard Fleischer, uma das
mais eficientes.
Como é bela a palavra: Saudade. Foneticamente ela ressoa na
alma de quem a expressa, como que buscando uma maneira de visualizar por um
breve momento um sentimento esquecido no tempo, uma pessoa perdida entre as
páginas de sua biografia, um aroma de frutas comidas no galho de uma árvore
imponente que outrora parecia atravessar as nuvens, mas que hoje somente
acaricia um corpo cansado com sua sombra. O personagem vivido pelo excelente
Edward G. Robinson não precisa ler nos tomos sobre a beleza das chuvas de
outono, pois em sua juventude sentiu-a em seu rosto. O mundo foi destruído pela
ambição do homem, que se multiplicou sem critério, enquanto dividia cada vez
mais seus recursos naturais. Não existe espaço para abrigar tantos corpos, que
se amontoam em ruas devastadas pela poluição. O efeito estufa somente não é
sentido nas mansões dos privilegiados, que se refugiam com o lucro que
acumularam ao longo das décadas de trabalho incessante daqueles que suam e se
contaminam à sombra de seus impérios. O velho Sol Roth (Robinson) aceita as
migalhas que lhe são atiradas, junto de seu amigo, o detetive Thorn (Charlton
Heston), para quem aquela triste realidade é a única existente. Nascido no caos
urbano e obrigado a se acostumar com a corrupção, aproveita qualquer
oportunidade profissional nos condomínios de luxo, para roubar itens raros como
barras de sabonete ou toalhas de algodão, intencionando ofertá-los ao velho
amigo. A recompensa insinua-se no olhar de Sol, que profundamente emocionado
resgata memórias felizes, contando-as com o fervor de um adolescente. Thorn
vive pelas lembranças de seu amigo.
A montagem de fotos que inicia e dá o tom ao projeto, faz
uma crítica contundente e atual. Começando por algumas paisagens idílicas ainda
não tocadas pela mão humana, envereda de forma progressiva para evidenciar os
efeitos da ação de nossa passagem, a fumaça industrial, os gases dos
automóveis, o caos que estamos acostumados a vivenciar diariamente.
Eletricidade inexistente, comida outrora farta nos pratos das famílias, agora
se resume a uma ração de nome: “Soylent”, que é fornecida ao povo como se
fossem porcos em um chiqueiro. A água é um elemento tão precioso e raro que
ninguém tem coragem de desperdiçá-la no ato do banho. No banheiro de luxo dos
privilegiados ela continua vertendo abundante, nos corpos de belas jovens que,
despidas de orgulho e personalidade, tornaram-se “mobília”, instrumentos
sexuais sem nenhuma esperança de redenção.
O relacionamento entre Sol e Thorn é o coração do filme,
aquele elemento que resiste na memória de quem o assiste. Robinson estava no
último estágio de um câncer, ele sabia que seu fim estava muito próximo. A sua última cena, aquela que justifica a inserção do filme nesse
especial, foi gravada dez dias antes de sua morte, uma bela despedida ao som de
Tchaikovsky, Beethoven e Grieg. Próximo a ele, um Heston nitidamente emocionado
(o próprio ator falaria anos depois, da dificuldade que sentiu ao fazer a
cena), acompanhava os últimos momentos de um homem entregue à nostalgia. Tendo
escolhido uma morte rápida, uma espécie de eutanásia lúdica, o seu personagem
assiste em uma enorme tela que o envolve, reconfortantes imagens e sons de uma
Terra jovem e colorida. Deslumbrado como um menino e voluntariamente exilado em
sua saudade, o velho apenas recupera a consciência momentos antes do fim,
quando decide provar a si mesmo que sua passagem no planeta não foi em vão,
decidindo então contar ao jovem amigo o segredo mais importante e tenebroso, que
obviamente não revelarei neste texto. Thorn carrega em suas mãos a inspiradora
esperança, que mesmo esquálida e desacreditada, precisa ser propagada.
* O filme acaba de ser lançado em DVD, em versão restaurada, pela distribuidora Versátil, na caixa: "Clássicos Sci-Fi -Vol.2", que contém também: "Scanners - Sua Mente Pode Destruir", "O Homem dos Olhos de Raio-X", "O Monstro do Ártico", "Matadouro 5" e "Robinson Crusoé em Marte".
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