Capital Humano (Il Capitale Humano - 2013)
O filme terminou e tive vontade de aplaudir de pé o
brilhante trabalho do diretor/roteirista Paolo Virzì, adaptando o livro do
crítico de cinema Stephen Amidon. Boa parte da imprensa está limitando a
discussão que a obra propõe, afirmando que se trata de uma análise sobre o fim
da sociedade italiana. A trama, com sua impecável estrutura em quatro
capítulos, incita uma reflexão sobre a queda do império humano, partindo de um
evento simples, o atropelamento fatal de um ciclista que não recebeu socorro.
Ao costurar as narrativas de seus personagens envolvidos de alguma forma no
acidente, o roteiro provoca questionamentos essenciais, críticas severas a um
modo de vida cada vez mais egoísta, onde a capacidade de empatia se curva
perante a necessidade de se obter vantagens.
No primeiro capítulo observamos a rotina de Dino, uma espécie de variação do
Kringelein de “Grande Hotel”, alguém disposto a tudo para viver “a vida real”
na alta sociedade, um verme que vibra por saber que foi convidado para uma mesa
elegante em uma festa, já que anseia por aquele refinamento ilusório, ainda
que, como é evidenciado em uma cena breve, não entenda a diferença entre
diversas grifes de água. O texto é claro, a crítica se esconde por trás da gag.
Coloque um tecido simples em uma vitrine de uma loja de grife respeitada, que,
sem pestanejar, a clientela irá gastar o triplo do valor real do produto,
apenas para garantir seu conforto existencial, a satisfação de um status tolo
que mascara, por pouco tempo, o complexo de inferioridade. Dino, inebriado por
seu deslumbramento, buscando agradar os pais endinheirados do namoradinho da
filha, não percebe que sua esposa grávida, vivida pela bela Valeria Golino,
passa a noite toda sentindo dores. E quando, algumas cenas adiante, erram o
nome dela, fazendo de tudo para não contrariar, ele nem se preocupa em
corrigir.
O segundo capítulo agrega novas discussões, focando na personagem mais
interessante e plenamente desenvolvida, a esposa do endinheirado, vivida pela
linda Valeria Bruni Tedeschi. Ela começa sendo mostrada como alguém fútil,
capaz de confundir o seu motorista, tentando decidir em qual loja irá pra
comprar suas roupas. É perceptível seu desconforto, insinuando que ela aceitou
viver uma mentira, abdicando de seus sonhos. Ela, como se confirma mais tarde,
trocou a necessária aventura pelo comodismo. Ao entrar em um teatro antigo,
caindo aos pedaços, desvalorizado pela sociedade, mais interessada em
transformar aquilo em um supermercado, a mulher se lembra do seu reflexo jovem
no espelho, aquela jovem que, outrora, havia trabalhado como atriz. Em seu
desejo por abraçar o status tolo já citado, aceitou se minimizar, beijar
diariamente aquele cifrão arrogante, grosseirão e racista, evitando os
obstáculos naturais da aventura que é a vida. Ela, ao perceber que a arte está
perdendo espaço para o medíocre abastecimento daquele status, metaforicamente
aponta o dedo para nós, para o público, questionando o silêncio do povo, que
deveria se unir para evitar que aquele local fosse vendido e tristemente
modificado. Como não nos identificarmos, quando, por exemplo, vemos nossos
cinemas sendo transformados em igrejas evangélicas? O silêncio, a omissão, é o
real crime.
É impossível revelar mais sobre a trama, sem prejudicar a experiência do
espectador. Afirmo apenas que, em um período tão fraco, com tanta bobagem
pré-adolescente lotando as salas de cinema, é revigorante aplaudir algo tão
emocionalmente/intelectualmente maduro. Uma aula de roteiro e direção, um dos
melhores filmes do ano.
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