sábado, 11 de abril de 2015

"Vício Inerente", de Paul Thomas Anderson


Vício Inerente (Inherent Vice - 2014)
É fácil preencher parágrafos salientando a impossibilidade de resumir a trama, algo que sequer tentarei, estabelecendo comparações com outras obras, mascarando com uma cotação alta a ausência de argumentos que justifiquem cada elogio, ainda que a grande maioria sinalize a necessidade de assistir mais algumas vezes, para compreender alguma coisa, afinal, é um filme de Paul Thomas Anderson, que já provou ser um dos mais competentes diretores dessa geração. O difícil é afirmar, sem ficar em cima do muro da subjetividade, que, dessa vez, o roteiro não acompanhou a pretensão de um projeto que audaciosamente buscou adaptar o difícil livro de Thomas Pynchon, uma interessante viagem metalinguística com o próprio cinema sobre os escombros da contracultura norte-americana do início da década de setenta, amalgamando elementos dos melhores pulps de Raymond Chandler, transpostos para a realidade desiludida dos hippies que acordavam sobressaltados do sonho lisérgico, com toques sutis de Adam Diment, autor de “Dolly, Dolly Spy”, resultando em um estilo libertário comparável ao de Jack Kerouac. 

O caos das páginas do livro não afasta o leitor, soa orgânico e acolhedor, a imaginação do leitor preenche naturalmente as lacunas do labirinto, porém, em um veículo com regras sensoriais diferentes, o roteiro arrastado e complicado dificulta o necessário investimento emocional, provocando um desconfortável distanciamento. A trama do clássico Noir “À Beira do Abismo”, de Howard Hawks, também não fazia sentido algum, porém quarenta minutos passavam depressa, com um elenco carismático e diálogos brilhantes, já em “Vício Inerente”, dez minutos parecem demorar uma eternidade, o que diz muito, caso entendamos que a duração total é de quase três horas. O senso de humor é tolo, sem timing, banalizando gags visuais, como a exótica predileção do personagem de Josh Brolin por simbologias fálicas, algo que perde, pela repetição estendida, sua função de evidenciar uma possível conotação homossexual entre o protagonista, vivido com a competência usual por Joaquin Phoenix, e seu alter ego, o policial violento. 

A composição visual de Doc, aliada à sua atitude na linha tênue do caricatural, é a representação de um homem deslocado no tempo, sem saber como se adaptar ao novo mundo. O caso que ele investiga, com todos os seus desdobramentos, não importa, o foco está na forma como ele lida, num estado quase constante de torpor psicotrópico, com seus demônios pessoais. O maior mérito nos filmes do diretor é a entrega dos atores, mais que o próprio roteiro, porém, o equívoco desse foi não conseguir tornar minimamente identificáveis os conflitos do protagonista, fazendo com que, até mesmo a forma resmungona com que ele se expressa, ao invés de agregar significado implícito a algum traço de personalidade, acabe se tornando um recurso irritante. A quantidade absurda de informação que envolve cada novo personagem que brota do nada, acaba conduzindo à frustração, já que o terceiro ato sequer insinua o interesse em torná-los relevantes. 

Não posso deixar de mencionar que, mesmo nesse que considero seu filme mais fraco, chato como poucos, existem méritos técnicos valiosos, como o frequente senso de desconforto alcançado pelas lentes da fotografia de Robert Elswit. Anderson novamente exercita sua paixão pelo trabalho de Robert Altman, conseguindo a proeza de compor um retrato fragmentado e fiel do livro original, com toques de sutil inteligência, como na cena em que evidencia o lado frágil do personagem durão de Brolin, mostrando ele em casa sendo manipulado pela esposa, filmada pelo ponto de vista de uma criança. A experiência pode ser pouco recompensadora, mas contém em seu cerne aquele brilho no olhar, uma coragem de arriscar, algo que, por si só, já merece reconhecimento.

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