Na Presença de Um Palhaço (Larmar Och Gör Sig Till – 1997)
Carl Akerblom, vivido por Börje Ahlstedt, um homem mentalmente
desequilibrado, admirador do compositor Franz Schubert, com quem se identifica por
ser um inventor que acredita que só será valorizado após a morte, vive na
Suécia, nos anos 20. Quem já assistiu o excelente “Fanny e Alexander”, irá
rever o personagem, que, aliás, comenta sobre uma ação hilária que viveu na
obra citada. Depois de receber alta do hospital psiquiátrico onde esteve detido
por ter tentado matar a sua namorada, decide fazer o primeiro filme sonoro, sobre
os últimos anos de vida do compositor. Ingmar Bergman, na fase final de sua
carreira, demonstrou que continuava buscando formas novas de expressar sua
arte, nesse projeto, originalmente pensado para teatro, que acabou sendo feito
para televisão. A loucura como forma objetiva de se realizar um sonho, o
elemento capaz de garantir a plena liberdade criativa, instituindo a arte, mais
importante que a vida, como antídoto para o caos do mundo real. Nesse mundo
doente, a loucura é um sinal de saúde.
O palhaço andrógino pintado de branco,
sempre espreitando os passos do homem, desiludido com sua existência, simboliza
a morte, finitude que ele, como afirma em uma das cenas mais bonitas, já está
cansado de esperar. Sua primeira aparição, brincando com uma maçã, como a
serpente do Jardim do Éden. Ele, encarando o estágio final, acaba se tornando
uma criança amedrontada. Quando a apresentação do filme para o seleto público,
todos relacionados de alguma forma ao homem, é interrompido por um incêndio, os
atores decidem encenar o restante da obra à luz de velas, trazendo o público
para o palco. Bergman faz uma declaração de amor totalmente original, não
somente ao teatro, como também ao público que valoriza a arte. É um momento
altamente simbólico e emocionante, ainda mais quando contextualizamos no
período da vida do diretor, que coloca o teatro como o responsável pelo
milagre. E é válido ressaltar que a fotografia ajuda a dar um tom ritualístico
praticamente religioso nessas cenas, como se aquelas pessoas tivessem entrado
em uma igreja. Como se, para o diretor, o cinema e o teatro tivessem substituído
as missas no mundo moderno, entregando para os fiéis uma catarse similar, uma
ilusão criada com luzes e sombras.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Versátil", com um excelente documentário focado no trabalho do diretor por trás das câmeras.
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