O Engraxate (El Bolero de Raquel – 1957)
Nos moldes de seu admirador mais famoso, Charles Chaplin, Mario
Moreno conseguia equilibrar muito bem a gargalhada com a ternura, como ocorre
nesse, que é um de seus melhores filmes. Ainda que, algo usual em sua
filmografia, muitas piadas se percam na tradução, como a brincadeira no título,
envolvendo a obra de Maurice Ravel e a atividade do protagonista, um trambiqueiro
bolero (engraxate) que se apaixona por uma professora, vivida por Manola
Saavedra, é impossível não se encantar com os improvisos do ator. Quando
Cantinflas solta sua metralhadora verborrágica nonsense, seu famoso “cantinflear”,
você precisa direcionar a atenção para o interlocutor, que se esforça para não estragar a filmagem sorrindo fora de hora.
Em seu primeiro trabalho em cores, logo após conquistar fama
internacional, e o prestígio da crítica, com o premiado “A Volta ao Mundo em 80
Dias”, o mexicano demonstra estar no auge de sua inspiração, especialmente na
hilária primeira hora, onde testemunhamos uma edificante aula de História que
ele fornece a um estrangeiro, além de exibir, em estado de total sobriedade, toda
a discrição e elegância que deveria ser o padrão nas cerimônias de funeral. Ele
mostra que, o que verdadeiramente importa, é consolar a bela viúva e oferecer um
ombro amigo para todas as mulheres presentes no ritual. E, claro, sendo um
homem tão digno, ele ficou com a responsabilidade de cuidar do filho pequeno do
compadre falecido, um operário de obra que, como bem explicado por Cantinflas,
foi para o céu, após quicar do asfalto, tendo caído do décimo sétimo andar da
construção onde trabalhava.
A cena mais famosa, sua desenvoltura como dançarino, é muito
simpática, porém, o momento que se mantém em minha mente é o silencioso choque
de realidade do personagem, após a triste despedida da criança, agarrado à bola
colorida, símbolo de gratidão pela companhia do menino, que tanto lutou para
conseguir pagar. Cantinflas é levado pela emoção, transmitida em seus olhos,
uma cena que nos remete ao pagamento do tratamento da florista cega de Chaplin,
em “Luzes da Cidade”. Assim como o vagabundo inglês, o peladito (pé rapado)
mexicano aprende que a gentileza é um ato nobre que não pede recompensa, não
necessita de reconhecimento, bastando apenas o sentimento de felicidade que
sucede a lágrima, a constatação da genuína intenção carinhosa de quem a oferece.
* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Studio Classic".
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