Palavras ao Vento (Written on the Wind – 1956)
Tornou-se lugar comum afirmar que Douglas Sirk era o rei dos
melodramas, quase sempre cruzando a fronteira da pieguice e adentrando no
questionável mundo dos romances de banca de jornal, onde cada página lida causa
riscos de hiperglicemia no leitor. A realidade não está muito distante desse
lugar comum, porém, desvaloriza consideravelmente a extrema competência do
autoral diretor alemão. O fato é que ninguém conseguiu emular seu estilo com a
mesma elegância e eficiência.
A direção de arte exagerada trabalha a favor da trama, que aborda o vazio existencial daqueles que possuem tudo o que desejam. A própria estrutura, contada em flashback, não poderia ter sido exposta
de forma mais açucarada: as folhas de um calendário que são viradas pelo
vento.
Kyle Hadley (Robert Stack) é um jovem herdeiro de um magnata do petróleo,
acostumado a disfarçar sua covardia com o álcool, uma coragem líquida compartilhada com sua irmã Marylee (Dorothy Malone), permanentemente maquiada e
vestida como se vivesse em uma casa de bonecas, sentimentalmente imatura e
inconsequente. Mimados por uma cidade grata ao empreendedorismo do pai,
usualmente são salvos de maiores gafes por colegas. Caso desmaiassem no meio da
rua, haveria a certeza de que o dono do bar, da leiteria, da floricultura e do
banco, iriam ligar imediatamente para o Sr. Hadley, que, estando muito ocupado,
enviaria algum empregado ao resgate. A formação da família é uma crônica de uma
tragédia anunciada, pois em nenhum momento fica claro existir amor entre os
seus componentes. Por outro lado, temos a figura de Mitch (Rock Hudson),
originário de um berço mais humilde e carinhoso, porém, amigo da rica família
desde criança. Sempre íntegro e disposto a livrar a cara de seus irmãos
postiços, conquistou com os anos o carinho do magnata. Extremos de conduta tão
passionais iriam entrar em conflito inevitavelmente, com ou sem a bela presença
da personagem vivida por Lauren Bacall, mas deixarei que o leitor descubra sozinho.
Vale destacar a importância simbólica do uso dos vários
espelhos em cena, mérito do fotógrafo Russel Metty. Os enquadramentos
perfeitos utilizam o reflexo como forma de ampliar as cenas, assim como
enfatizar que estamos assistindo algo antinatural, simbolizado também no
exagero das cores, pessoas que representam reflexos distorcidos no espelho da
vida, sempre escondendo suas reais faces por trás de máscaras, normalmente estimuladas pelo álcool e, por conseguinte, comportamentais. Considero interessante sugerir uma sessão dupla
desse filme com qualquer um do espanhol Pedro Almodóvar, para que o leitor
perceba como o alemão influenciou o cinema do espanhol.
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