Link para os textos do especial:
Esse Mundo é dos Loucos (Le Roi de Coeur - 1966)
A trama dessa charmosa fábula antimilitarista parte de um
conceito simples, instigando uma profunda reflexão que, a despeito da estética
compreensivelmente datada, ainda ressoa implacavelmente atual. Durante a
Primeira Guerra, o soldado Charles Plumpick, vivido por Alan Bates, um
especialista em ornitologia, é enviado por engano a um vilarejo na França para
desativar uma bomba deixada pelos alemães. Ao chegar, ele percebe que os
moradores do local foram embora e que a cidade foi tomada pelos pacientes de um
hospício.
O dedo do diretor Philippe de Broca, que aparece em uma breve e hilária ponta como o soldado
Adolf Hitler, estava obviamente apontado para os horrores da Guerra do Vietnã,
mas o discurso proposto era mais abrangente. A ideia, trabalhada por Maurice
Bessy e Daniel Boulanger, nasceu de uma notícia sobre o assassinato de
cinquenta doentes mentais franceses por soldados alemães, em uma invasão a um
hospital durante a Primeira Guerra. Eles tinham se vestido com o uniforme de
soldados americanos mortos e foram andando pelo campo, quando os alemães os
fuzilaram por engano.
Os loucos de Broca, essencialmente sonhadores que se recusam a sentir medo,
possuem uma compreensão mais profunda da vida, preferindo nobremente apreciar o
momento em sua redoma de criatividade, enquanto aqueles considerados sãos,
presos aos seus estúpidos rituais militares, estão dispostos a desperdiçarem
futilmente suas vidas, acatando ordens que sequer entendem. É linda a cena que
mostra os pacientes recuando ao alcançarem o portão principal, com a trilha
sonora festiva de Georges Delerue dando lugar ao sepulcral silêncio, enquanto
acenam melancolicamente para seu rei de copas, que parecia decidido a retornar
ao mundo real. O personagem escuta ao longe o som das máquinas da guerra,
sentindo internamente o conflito entre a genuína alegria e o companheirismo que
havia sentido no reino dos loucos e os ilusórios conceitos de virtude e
grandeza que o aguardavam do lado de fora. Contraste que é visualmente
impactante graças à fotografia de Pierre Lhomme, que trabalha de forma
propositalmente caricatural o uso de cores vibrantes contra a paleta sóbria e
pastel que emoldura os militares.
* O filme, até então inédito em nosso mercado, está sendo lançado pela
distribuidora Versátil.
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