quinta-feira, 30 de outubro de 2014

"Guardiões da Galáxia", de James Gunn


Guardiões da Galáxia (Guardians of The Galaxy - 2014)
Eu assumo que não conhecia essa equipe antes do anúncio de que a Marvel a utilizaria no seu ambicioso projeto cinematográfico. E é exatamente a constatação de sua aparente irrelevância e desprestígio que funciona como metalinguagem no roteiro, que utiliza livremente como base o ótimo arco atual escrito por Brian Michael Bendis, que devorei em preparação para o filme. O interessante é constatar que tinha tudo para dar muito errado, um material que caberia perfeitamente nas debochadas páginas dos livros de Douglas Adams, mas que resultou em um produto que se conecta emocionalmente com o público, elemento que era o tendão de Aquiles das produções do estúdio, satisfazendo todos os requisitos de um industrial blockbuster infanto-juvenil. 

O segredo do roteiro está na assimilação das melhores qualidades dos filmes de Indiana Jones e Guerra nas Estrelas, com uma pegada espertamente despretensiosa de um diretor que nasceu no berço dos projetos do estúdio Troma. Um senso de camaradagem entre personagens que não se levam a sério, que constantemente piscam para o público, como que o convidando a entrar na brincadeira. Como não se identificar com o herói que, acreditando estar sozinho em um planeta distante, aproveita para dançar e cantar, segurando em um pequeno animal como microfone improvisado, ao som de canções retrô da década de setenta em um toca-fitas portátil? É a aceitação do absurdo pela diversão que ele oferece. Quando o roteiro nos desarma, faz com que deixemos o raciocínio adulto de lado, abraçando com saudade o escapismo que empolgava nossa criança interior. É impressionante como o filme consegue tornar relevante um personagem como o Groot (Diesel), que só pode se comunicar utilizando três palavras, entregando corajosamente a ele o peso da cena mais tocante. Já Rocket (Cooper), o diminuto guaxinim falante, pode ser considerado um milagre. Os diálogos espirituosos conseguiram fazer dele um elemento mais interessante que muitos dos humanos presentes. Em nenhum momento meu cérebro desativou a suspensão de descrença, algo que sinceramente achava que ocorreria logo no primeiro ato. Até mesmo o típico brutamonte, representado por Drax (Bautista), consegue surpreender por seu timing de humor. Somos conduzidos conscientemente por uma fórmula consagrada, mas realizada com esmero e ternura. 

Ao se conectar com seu passado através de um objeto tão frágil como um toca-fitas, Quill (Pratt) nos evidencia que sua anarquia é uma resposta imatura para os obstáculos da vida adulta. A lembrança triste da morte de sua infância, com seu desapegar forçado da mãe, não pode ser empecilho para a aceitação de sua missão ao lado de seus novos amigos. Somente quando ele abraça essa constatação, optando por verter a lágrima ao invés de retê-la, o jovem se mostra preparado para singrar o espaço sideral, como Luke Skywalker ao aceitar deixar seu conforto para acompanhar Ben Kenobi. É o clássico conto de amadurecimento que se repete a cada geração. Algumas cenas de “Os Vingadores” e de “Capitão América 2”, os melhores até então, podem ter ficado guardadas com carinho na memória, mas “Guardiões da Galáxia” é o único filme da Marvel que eu genuinamente tenho vontade de assistir novamente pelo todo que ele representa. Os desajustados heróis desconhecidos acabaram eclipsando os medalhões da empresa, garantindo meu interesse em revê-los em próximas aventuras. E, caso ocorresse, como é usual nos quadrinhos, um crossover entre as duas equipes, já sei para quem eu torceria... 

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