Uma Vida Roubada (A Stolen Life - 1946)
Realizado no mesmo ano do tematicamente similar Espelho
d’Alma (The Dark Mirror), onde Olivia de Havilland também interpretava
irmãs gêmeas, mas abusando de artifícios facilitadores, como estilos de
vestuário antagônicos ou joias com as diferentes iniciais em cordões, o filme
dirigido por Curtis Bernhardt se entrega plenamente à competência monstruosa de
sua protagonista.
Por mais eficientes que fossem as técnicas de super-imposição do diretor de
fotografia Ernest Haller, truque que ele iria melhorar ainda mais em Alguém
Morreu em Meu Lugar (Dead Ringer, de 1964), também protagonizado por
Davis, o mérito vai todo para a espetacular atriz, que realiza quatro variações
totalmente distintas: Kate (tímida, sensível e desajeitada), Pat (sensual,
sofisticada e intempestiva), mas além dessas interpretações mais visíveis,
temos a sutileza de Pat emulando a personalidade de Kate e vice-versa. E, em
nenhum momento, nenhuma dessas variações soa forçada ou se apoia em clichês de
temperamento.
O roteiro evita o lugar comum de demonizar uma das irmãs, desenhando
caricaturas. Somos brindados com duas mulheres altamente falíveis e vítimas de
suas próprias ambições. O choque entre as duas nasce com a paixão em comum pelo
marinheiro vivido por Glenn Ford. O personagem do rude pintor, vivido por Dane
Clark, responsável por libertar Kate de seu complexo de inferioridade,
levando-a indiretamente a assumir o lugar da irmã no terceiro ato, é o elemento
do caos, necessário para instigar a revolução pessoal que ocorre com ela.
O leitmotiv da manipulação é simbolizado numa cena breve, quando Kate está
fingindo ser sua irmã e voltando para a casa dela, onde é mostrado que até a
lealdade de um cão pode ser comprada. O desfecho pode ser preguiçoso, algo
perdoável quando analisado no contexto da época, mas esse filme é um testamento
eterno da genialidade de Bette Davis, uma das melhores atrizes da história do
cinema.
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