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À Queima-Roupa (Point Blank – 1967)
Após um assalto, Walker é baleado e deixado para morrer por
seu amigo Reese e por sua própria esposa, que é amante de Reese. Eles ficam
ainda com a parte do golpe que cabia a Walker, US$ 93.000. Meses depois, Walker
decide se vingar e recuperar o seu dinheiro.
É interessante contextualizar de forma resumida o filme em
sua época, para entendermos melhor sua importância. Os estúdios de cinema já
estavam perdendo terreno para a comodidade do entretenimento televisivo desde a
década de cinquenta, fazendo com que eles apostassem cada vez mais em
espetáculos grandiosos coloridos, épicos bíblicos e musicais. Já em meados da
década de sessenta, esse recurso começou a dar mostras de desgaste, com o
fracasso de “Cleópatra” sendo o símbolo da queda desse império. O mercado americano
então se abriu para jovens cineastas dispostos a correrem riscos, antenados com
os produtos que vinham do exterior, com obras tematicamente mais ousadas e
estruturalmente libertárias, como os trabalhos de Godard e Antonioni. E 1967
foi um ano decisivo nessa transformação, com “À Queima-Roupa” sendo um dos
símbolos maiores dessa mudança radical de atitude.
O diretor inglês John Boorman bebeu generosamente da fonte
da Nouvelle Vague para compor sua trama, adaptada livremente de “The Hunter”,
escrita por Richard Stark (pseudônimo de Donald Westlake). O escritor havia
imaginado Jack Palance como a opção perfeita para viver o protagonista, mas
teceu muitos elogios à atuação de Lee Marvin. Como o estúdio não estava
interessado em realizar uma série de filmes, por contrato os produtores não
poderiam utilizar o nome do personagem principal do livro, então “Parker” virou
“Walker”. O livro é bastante simples, típica literatura pulp de segundo escalão,
mas a adaptação tornou-se uma obra-prima em seu gênero, mérito do estilo com
que Boorman abordou a sisífica narrativa, reinventando o Noir e revelando uma
camada de interpretação onde podemos acreditar que estamos assistindo os passos
de um fantasma em um conto de vingança, abusando do uso expressionista das
cores e de uma montagem elíptica, criando cenas incríveis como a que citarei no
próximo parágrafo.
Essa cena totalmente antinatural, que dura pouco mais de um
minuto, serve para mostrar a onipresença desse fantasma, como ele caminha em uma
espécie de dimensão paralela, imperturbável e focado em seu objetivo. Ele já
possui a informação que procurava e sua caçada já está em andamento. A montagem
transforma uma linha de roteiro, uma simples caminhada dele até o apartamento,
em algo épico. Ele é mostrado andando em um longo corredor, com o som dos seus
passos tendo importância essencial, como um metrônomo psicológico não-diegético
que persiste enquanto são mostradas tomadas do cotidiano apático de sua traidora
esposa, como um tratamento de pele que é multiplicado por espelhos. Walker não
é apenas um homem em busca de vingança, ele se torna uma entidade, algo quase
sobrenatural. Nesse momento, a trilha sonora de Johnny Mandel começa a ser
escutada, como se acompanhasse jazzisticamente o ritmo dos passos, que se
tornam parte da música, escutados até mesmo quando o personagem é mostrado
dirigindo seu automóvel. Os passos dão lugar a uma sinfonia de tiros, quando
ele finalmente atinge seu objetivo, seguidos então pelo completo silêncio. O
protagonista é mostrado como alguém tão perigoso dentro da narrativa, que consegue,
metaforicamente, até mesmo controlar a linguagem da obra em que está inserido.
*O filme está sendo lançado em DVD, numa versão restaurada, pela distribuidora "Versátil".
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