Quem leu meu livro “Devo Tudo ao Cinema”, conhece o
personagem Plínio, o crítico de cinema que é um ídolo na área para o jovem
Antonio. Ele é um amálgama de alguns profissionais que, com extrema
competência, representam a fonte de cultura onde me embriaguei constantemente numa
adolescência em que respirava Sétima Arte nas vinte e quatro horas do dia, sete dias por semana. Ontem faleceu
uma dessas pessoas, André Setaro. Nos últimos três anos, eu tive a
oportunidade e o privilégio de manter contato mais próximo com ele, através das
redes sociais, podendo confirmar todos os adjetivos que sempre havia escutado
sobre ele.
Talvez seja difícil para você, caro leitor, compreender como
funciona esse meio da crítica cinematográfica. Quando você está começando,
tendo como leitores fiéis apenas seus familiares e amigos próximos, tudo o que
te impulsiona é o sonho. Você não está seguro de sua competência, fica buscando
criar uma identidade própria, um estilo que seja interessante o suficiente para
que seja percebido numa multidão de jovens sonhadores com o mesmo objetivo.
Você chega tímido nas primeiras cabines de imprensa, torcendo para que alguém
sorria pra você e lhe estenda a mão. São raros os que possuem a humildade de, estando
conscientes de sua competência, não temerem qualquer competição, abraçando
genuinamente aquele estranho como um potencial colega, como parte da equipe. Eu
não conheci Setaro numa cabine, nunca nos vimos pessoalmente, mas ele foi um dos
primeiros profissionais experientes da área que tirou um minutinho de seu dia
para deixar um comentário elogioso em um de meus textos no extinto veículo “cinema.com.br”,
onde escrevi por vários anos.
Algum tempo depois, nos reencontramos virtualmente. Eu já tinha
conseguido galgar alguns degraus, escrevendo para alguns veículos, quando
percebo a presença do amigo baiano novamente comentando um texto. Era um aval
muito importante ler um “Excelente e revelador artigo”, escrito por um veterano
mestre na área. Ele sempre se fazia presente nas postagens, num triste universo
virtual onde um vídeo tolo de um bêbado caindo no chão recebe quinze mil
compartilhamentos, enquanto o texto que você passou a madrugada inteira
escrevendo, com sorte, recebe uns três ou quatro. Ano passado eu lancei meu
livro na Bienal e fazia questão de enviar um pra ele, mas Setaro sabia a
dificuldade de se lançar um livro no Brasil, ele fez questão de pagar o valor de
capa e o frete. Ele valorizava o trabalho dos colegas.
Apenas duas semanas atrás, recebi uma bela mensagem privada dele,
sobre o livro que ele havia acabado de ler. Gostaria de compartilhar com vocês
o conteúdo: “Eu li com muito prazer o seu livro. Educação sentimental
stendhaliana, quando a vida se conjuga com o imaginário das imagens em
movimento. Livro revelador de uma descoberta, bem escrito e de estimulante leitura.
Obrigado por tê-lo escrito”. Eu fiquei emocionado, devo ter lido umas dez vezes
e mostrei pros familiares, antes de agradecer a ele, afirmando o orgulho que
sentia por estar recebendo esse elogio tão importante. O meu amigo então
respondeu de forma breve, a última mensagem dele para mim: “Você merece!!!!!”. Caro
leitor, você pode imaginar a dor que senti ao descobrir, por intermédio do
amigo Marcelo Janot (outro profissional que também faz parte daquele amálgama),
sobre o falecimento de Setaro. Eu não costumo lamentar a morte de artistas,
pois eles alcançam a verdadeira eternidade através de suas obras e na memória
dos seres pensantes, mas sentirei muita falta de trocar palavras com esse
generoso baiano, imaginando com melancolia a quantidade de textos maravilhosos
que ele ainda tinha a oferecer para todos nós apaixonados pelo cinema. Vocês
podem conhecer/revisitar esse primoroso legado em seu blog: http://setarosblog.blogspot.com.br/.
Obrigado por tudo, amigo. Você cumpriu seu trabalho com louvor nessa breve jornada.
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