Azul é a Cor Mais Quente (La vie d'Adèle - Chapitres 1 et 2 - 2013)
A polêmica adaptação da graphic novel de Julie
Maroh recebeu a Palma de Ouro em Cannes no meio do furacão social causado pela
legalização do casamento homossexual. É uma pena que o burburinho acerca do
filme envolva suas longas cenas explícitas de sexo, já que teoricamente o
coloca no mesmo patamar de várias outras produções apelativas e vazias do mundo
todo. Isso não favorece aqueles, provavelmente grande maioria, que irão às
sessões buscando satisfazer esse estímulo, pois estarão tensos procurando nudez
gratuita, enquanto o ótimo retrato intimista e nada panfletário sobre maturidade
sexual proposto pelo diretor tunisiano Abdellatif Kechiche, será relegado para
segundo plano. Seu projeto anterior “Vênus Negra”, já havia me impressionado
pela coragem em estilo e substância, mas acredito que ele tenha conseguido
elevar o nível.
Seus invasivos close-ups emolduram quase sensorialmente a trajetória
de descobertas da jovem Adèle (Adèle Exarchopoulos, em promissora estreia), que
percebe não sentir interesse pelos rapazes com quem tenta flertar. Constatação
que culmina num simples passeio pelas ruas de Paris, onde o vislumbre de um
casal afetuoso de lésbicas, especialmente a segura Emma (Léa Seydoux), que
ostenta corajosa cabeleira azul, acaba causando-lhe profunda angústia e
reavaliação interna. Ao invés de focar-se na batalha psicológica de alguém em
revelar sua homossexualidade em um mundo preconceituoso, algo
cinematograficamente mais óbvio, o roteiro inova ao ir além e discutir os
desafios inerentes de um casal após a “saída do armário”. Nós acompanhamos a
protagonista em sua rotina diária, em tomadas que a mostram dormindo, fantasiando sonhos eróticos, comendo e entretida em conversas fúteis,
estabelecendo uma gradativa conexão emotiva, onde ela se revela mediante a
exposição de seus medos e a consequente superação deles.
Diferente de Emma, que é uma artista independente que se nutre da liberdade
para a realização de seu trabalho, Adèle é uma simples menina tímida e
reprimida por uma sociedade machista, com objetivos de vida inofensivos e que
não necessitam do elemento da ousadia. O atrito sexual desses dois polos tão
díspares resulta em uma fascinante explosão de cumplicidade, com corpos que se
exploram vorazmente, analisada pela câmera voyeur com interesse antropológico.
E o relacionamento transcorre de maneira realística, sem se esquivar dos
problemas que ocorrem em qualquer relação de intimidade, evitando um erro
cometido em vários projetos de temática similar, onde promovem a celebração do
amor homossexual como algo melhor (uma vertente do que Spike Lee faz com
relação aos negros, por exemplo, lutando pela exaltação da diferença ao invés
da homogeneização). Inserindo na discussão o conceito existencialista de
Jean-Paul Sartre, o objetivo principal dessa excelente obra fica claro: apontar
a hipocrisia que leva o público a se chocar com as cenas de amor, enquanto se
mostram indiferentes à brutal estupidez da homofobia.
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