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Em mais uma entrevista exclusiva para o "Devo Tudo ao Cinema", converso sobre a produção com a amiga Nádia Lippi, que viveu o par romântico de Renato Aragão em "O Casamento dos Trapalhões". Conheci a Nádia quando atuamos no longa "Histórias Íntimas", dirigido por Julio Lellis e Breno Pessurno, filme que recebeu o prêmio máximo em sua categoria no Los Angeles Brazilian Film Festival de 2014.
O – Querida Nádia, essa é uma questão que sempre quis te fazer,
como era o clima nos bastidores de uma produção dos Trapalhões? Havia liberdade
de improviso, ou o roteiro era seguido à risca? Você tem histórias interessantes/divertidas
de bastidores? Como era a sua relação com cada um dos quatro? Disserte à
vontade sobre essas questões.
N - Bem vamos lá...
Quando se pensa em Trapalhões imediatamente vem na cabeça a
graça de cada um, o estilo mocó de Didi ser, a risadinha tímida e jocosa,
típica de Zacarias, o linguajar inventado por Mussum e a gaiatice do galã do
quarteto, o Dedé, certo?
Pois é, tudo existia na frente e atrás das câmeras nas
filmagens, mas nunca a ponto de atrapalhar o ritmo dos trabalhos. O mais sério,
ou melhor, menos brincalhão, sempre foi Mauro, o Zacarias, mas sempre
participando das brincadeiras fora de cena também. O Mussum era o mais
encapetado sempre (rs).
Renato alternava com Dedé, sempre um contradizendo o outro. Na
brincadeira, claro, mas era divertido sempre.
Quando era necessária a troca de câmeras de lugar ou a
iluminação ter que ser refeita, aí demorava mais, e se fosse sequência direta
com os atores, ficávamos nas marcas e aí rolava tudo de engraçado. As falas quase sempre eram alteradas à maneira de cada
personagem do quarteto, mas sem tirar significado. Horários eram respeitados e
hierarquias também. Acima de tudo os Trapalhões eram super profissionais.
Nunca me esqueço, no último dia de gravação, quando Mussum
já chegou soltinho no set, e as cenas que foram gravadas ao redor de uma mesa
numa cena de jantar. Demorou tanto pra mexerem na iluminação, que uma roda de
samba se instalou no set e aí nesse dia a continuidade dos trabalhos foi
difícil. Boas lembranças. Mussum “atacadésimo” era uma loucura!
Minha relação maior sempre foi com Renato já que convivia
com a família toda e a Thalita (filha) era muito amiga de Juliana, a filha mais
nova de Renato e Marta. Não via o Renato como Didi e sim como o meu amigo. Renato
já me conhecia desde que eu tinha uns 15 anos, em sua passagem pela TV Tupi. Faz
tempo, né? (rs)
O – Você já havia participado de “O Trapalhão na Arca de
Noé”, o projeto solo do Renato Aragão, mas como foi o convite para “O Casamento
dos Trapalhões”? Sendo uma apaixonada por cinema, creio que a homenagem ao
clássico musical “Sete Noivas Para Sete Irmãos” tenha sido um precioso
estímulo, certo?
N - Sim eu já havia feito o Arca, e fiquei muito honrada, já
que a atriz que faria o filme seria, segundo me disseram, a Regina Duarte, e, como
ela não pôde fazer, achei um luxo, até porque eu já estava ausente da televisão
ha alguns anos.
Era o filme da separação e o clima era bem esquisito pra mim,
pois via um Renato mais introspectivo e a equipe que tinha muita gente da
própria família de Renato, toda mais pragmática e preocupada talvez com o
momento delicado de Renato, que demonstrava certa melancolia a meu ver. O clima
das filmagens não foi ruim nem tenso, apenas sem a alegria deles juntos. Quem
quebrava a seriedade era o Sergio Malandro. Mas foi legal assim mesmo.
Agora o outro, o do Casamento, nossa, foi bárbaro! Quando
recebi o convite, nem acreditei. Pois já afastada de tudo, receber de novo um
convite de Renato pessoalmente foi uma honra. Era o casamento de Didi Mocó e eu
seria a sua parceira. Um luxo!
Foi o maior presente que eu poderia receber da família Aragão, aliás,
saiba que sempre fui querida por todos e guardo lembranças muito agradáveis da
convivência com a família Aragão e com a família Trapalhões.
Estar atrelado ao filme “Sete Noivas para Sete Irmãos”, para
mim, não teve peso.
O – Qual você considera que foi a maior contribuição do
diretor José Alvarenga Jr. para o projeto?
N - Bem, eu acho que o talento de Zé Alvarenga é hoje
indiscutível e acho que mesmo já tendo dirigido um filme, o Trapalhões na Selva,
foi no projeto do Casamento dos Trapalhões, já em outros tempos e com uma
produção mais rica, que ele pôde trabalhar cada personagem e suas
particularidades. Acho que foi a escolha perfeita, pois todos já se conheciam e
existia a confiança profissional que permitia ousar.
Além de ser um diretor calmo, alegre, sem estrelismos e com
muita competência. Eu adorei! Se tivesse que voltar à TV, adoraria trabalhar
com ele. Sou fã!
O – O Dedé Santana, algo que muitos não valorizam, teve
fundamental importância em vários filmes do grupo, até mesmo como diretor
informal (e oficial em cinco, como “A Filha dos Trapalhões” e “Atrapalhando a
Suate”), fazendo uso de um excelente timing cômico e dos ensinamentos de J.B.
Tanko e Adriano Stuart. E como ele já afirmou que os musicais de Hollywood são
sua grande paixão, eu creio que ele tenha demonstrado maior empolgação nesse
filme. Você testemunhou alguma filmagem em que ele cooperou além da função de
ator, para o resultado final?
N – Sim, uma pessoa pra lá de importante para a história do
quarteto, com certeza. Uma pessoa extremamente do bem, carinhoso parceiro
de cena, amigo verdadeiro de todos. Esse pra mim sempre foi Dedé.
Como já disse, conheci o grupo há muitos anos e uma coisa
que admiro são as pessoas que não se transformam com o sucesso, o Dedé sempre
foi um exemplo disso. Vivi todas as fases do quarteto e sua maneira simples ao
me encontrar em qualquer lugar sempre me chamou a atenção.
Quanto à sua importância no grupo é incontestável. Ele era a
escada para toda graça de Didi. Consegue imaginar o Gordo e o Magro sem o
Magro? Ou os três patetas sem um deles? Pois é, muitos não se davam conta da
importância de cada um deles.
O – A crítica nunca prestou muita atenção nos filmes do
quarteto, algo que sinceramente não consigo compreender. A comédia popular
nunca é valorizada em seu tempo, até mesmo Jerry Lewis era desprezado pelos
críticos norte-americanos, ainda que fosse idolatrado pelos franceses. Como
você enxerga essa constatação? E, complementando, você teve a sorte de
participar de um fenômeno cinematográfico que nunca foi sequer equiparado no
Brasil. Como você analisa a importância dessa parceria com o grupo, no contexto
de sua carreira profissional?
N - As produções da época das Chanchadas foram também discriminadas
pela crítica, mas atualmente se tornaram ícones da história do cinema brasileiro.
Acho que isso responde a sua pergunta.
O quarteto provou a sua importância pra gerações e sempre
ocupará a lembrança de todos. E quanto à importância dentro da minha história,
inegavelmente, uma das maiores honras pra mim.
Um dia, quando meus netos pesquisarem minha vida, saberão e irão
rir por terem tido uma vó " trapalhona" (rs).
O – Eu revi o filme para escrever meu texto e,
surpreendentemente, ele segue eficiente e simpático como na época em que o vi
pela primeira vez, na minha infância. Como você analisa “O Casamento dos
Trapalhões” em retrospecto?
N – Concordo. O filme é atemporal. Aliás, em sua maioria, os
filmes do quarteto sempre serão atemporais. Isso, acho, faz parte da magia do
humor tão bem demonstrado por eles.
O filme veio coroar o trabalho deles, os personagens criados
por eles e tão bem definidos no filme. Cada um mostrando seus personagens com
maiores características do perfil de cada um, vivendo histórias
verossímeis e mais próximas da realidade.
Acho que é assim que defino o sucesso do filme “O Casamento
dos Trapalhões”, maior proximidade com a realidade.
O Casamento dos Trapalhões (1988)
Quatro irmãos, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, são caipiras
que vivem na área rural. Didi vai até uma cidade próxima e, após entrar em uma
briga com Expedito, conquista Joana, que o segue até o seu rancho. Eles
resolvem se casar, apesar dela não se sentir muito à vontade com a presença dos
seus irmãos, que são bem pouco educados.
Eu tenho um carinho especial por esse filme, já que ele foi
lançado no período em que eu realmente me divertia com o quarteto em várias
mídias. Eu nasci em 1983. Quando ele começou a ser exibido na “Sessão da Tarde”,
eu passava horas entretido com os RPG’s: “Didi Volta Para o Futuro” e “Didiana
Jones e a Ilha dos Dinossauros” (antes de me aventurar nos livros-jogo “Aventuras
Fantásticas”, de Steve Jackson e Ian Livingstone), além de colar nas paredes do
quarto os pôsteres que vinham no centro da revista em quadrinhos: “As Aventuras
dos Trapalhões”, pela Editora Abril, que mostrava o grupo em paródias de filmes
de Hollywood. E a animação de abertura do filme utilizava o mesmo traço
infantil simpático dos personagens nesses gibis. Eu não peguei a fase dos
quadrinhos da Editora Bloch. No vinil “Parque de Diversões”, de 1988, a última
canção do segundo lado do disco era o animado tema do filme, com frases como: “Vida
boa, boa nada, sem muié pra namorar... Vida boa, boa nada, tô querendo me casar”.
Era uma overdose de humor circense, na televisão, no cinema, nos quadrinhos,
uma fase que me traz recordações muito agradáveis.
A direção de José Alvarenga Jr. consegue estabelecer com
muita naturalidade um clima de harmonia que transparece nas cenas, um tom muito
menos formal do que era comum nos filmes que o quarteto realizou na década de
setenta. Essa irresponsabilidade criativa, altamente técnica, conseguiu até
mesmo inserir as necessidades mercadológicas, o product placement e a participação
da banda Dominó, elementos que causam constrangimento em outras produções dessa
fase final do grupo, com alguma relevância no contexto da trama, ou executadas
de forma rápida e indolor, como quando o sorridente boneco Bocão das gelatinas
Royal paquera a namorada de um dos integrantes da boy band formada por
sobrinhos urbanos dos quatro caipiras. Sobrinhos urbanos, por sinal, que ainda
tentam conquistar as gatinhas com piadotas de “Joãozinho”.
É uma ingenuidade que funciona bem com as crianças e ganha
contornos irônicos que só os adultos percebem. Gosto também da sequência emoldurada
pela boa canção “Alegria”, de Sullivan e Massadas, mostrando Didi e Dedé
executando várias acrobacias circenses em uma apresentação pública, um momento
que captura a magia única desse grupo. É, guardadas as devidas proporções, como
ver as sequências musicais dos Irmãos Marx, com Chico tocando piano, Harpo se
balançando e Groucho desferindo sua metralhadora verbal. O cerne criativo dos
Trapalhões está registrado nessa cena.