Walt nos Bastidores de Mary Poppins (Saving Mr. Banks - 2013)
O grande acerto do filme é o foco dado à batalha de egos
entre dois artistas passionais. Ainda que motivada por necessidade financeira,
a autora P.L. Travers (Emma Thompson) não está disposta a entregar aqueles
personagens tão relacionados ao seu passado, figuras que a redimiram
ludicamente em sua vida adulta, dos traumas de sua infância. Walt Disney (Tom
Hanks), como um especialista em seu ofício, sabe que poderá realizar uma obra
maravilhosa com aquele material, pois vê nele uma metáfora que servirá para
pessoas do mundo todo. Enquanto ela exercita a posse de sua criação e reclama
até do bigode no rosto do ator que interpretará o pai, o mestre da animação
tenta fazê-la entender que Mary Poppins pode salvar crianças do mundo todo, não
somente a criança que ela foi um dia. Um tema lindo e que poderia resultar em
um produto grandioso.
É uma pena que os flashbacks, essenciais por estruturarem o leitmotiv da
relação entre pai e filha, funcionem tão mal. A analogia que busca revelar as
razões psicológicas para o temperamento profundamente amargo da protagonista,
outrora uma menina tranquila e feliz, é exposta narrativamente da forma mais
preguiçosa e ideologicamente repetitiva. É nesses momentos que a direção do
fraco John Lee Hancock se mostra mais deficiente, emoldurando com a perícia de
um amador um roteiro (de Kelly Marcel e Sue Smith) maniqueísta, com excesso de
diálogos expositivos e inconsistência nas atitudes do pai alcoólatra, vivido
por Colin Farrell. O problema é minimizado quando acompanhamos a relação entre
a autora, Disney, o roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os
compositores. Fica claro que se trata de um projeto descaradamente parcial,
manipulando os fatos, distorcendo-os, radicalmente em alguns casos, como no
desfecho, de forma que favoreça os interessados, sem preocupação em tornar o
visionário “patrão” uma doce caricatura, contanto que represente a imagem da
empresa.
O pior pesadelo de qualquer roteirista que trabalha adaptando para o cinema uma
obra literária é um autor excessivamente apegado à sua criação. São linguagens
totalmente diferentes. E, como ocorre na ótima cena em que Travers senta com o roteirista
e os compositores em sua primeira reunião, estranhando até as expressões do
cabeçalho, normalmente o autor desconhece completamente a função de uma
adaptação e a formatação dessa nova linguagem. Para a total descrença dos
homens na mesa, a autora implica com detalhes irrelevantes ainda na primeira
linha do roteiro, antes de explodir em desgosto ao escutar a primeira canção
tocada ao piano. Na visão de sua autora, “Mary Poppins” não seria de forma
alguma um musical ou uma animação. Exatamente os dois elementos responsáveis
pelo duradouro charme do filme, que se mantém relevante para públicos de todas
as idades, mais de quarenta anos depois de sua estreia. O trabalho literário de
Travers, falecida em 1996, só é reconhecido internacionalmente hoje por causa do árduo empenho persuasivo de
Walt Disney.
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