segunda-feira, 13 de julho de 2015

Tesouros da Sétima Arte - "O Oitavo Dia"

Link para os textos desse especial que aborda os tesouros escondidos. Obras que merecem ser mais valorizadas:


O Oitavo Dia (Le Huitième Jour – 1996)
Eu vi esse filme apenas duas vezes, mas é incrível como tenho guardadas na memória várias cenas, até linhas de diálogo, que me emocionaram sobremaneira.

O impacto da ternura do jovem com síndrome de Down, o belga Pascal Duquenne, sobre a dura casca de amargura do homem, impecável Daniel Auteil, que percebe sua família cada vez mais distante, no belo momento onde o rapaz tenta bloquear as lágrimas do amigo ao construir um sorriso, com seus dedos, no rosto dele. O reencontro dos dois na chuva, a reafirmação da amizade, após uma tentativa cruel de desapego forçado. O trabalhador compulsivo que, por intermédio dessa relação, aprende a ser um pai melhor para suas filhas. A mãe falecida que, ao som de seu ídolo na música, aparece para carinhosamente confortar as angústias do jovem. E essas cenas, que poderiam pender facilmente para a pieguice exagerada, são engrandecidas pela forma sensível como o diretor Jaco Van Dormael escolhe se contentar com o minimalismo, com o protagonista tendo uma clara atitude emocionalmente independente, dispensando a compaixão dos outros.

A trama aborda o desejo do jovem, internado em um hospital especializado desde a morte da mãe, em voltar para casa. Ele é um fardo pesado demais para seus familiares, pessoas egoístas e que não querem encarar o reflexo visualmente diferente nesse espelho perturbador, como estudado pelo psicanalista francês Pierre Fédida, personagens que simbolizam a forma como grande parte da sociedade encara os deficientes, e, por conseguinte, o aparente desinteresse pela necessária inclusão social.

Essa rejeição que fala diretamente ao choque desorientador do diferente em contato com a imagem que representa a formação inicial do “eu” inconsciente, ou, nas palavras do psicanalista francês Jacques Lacan, esse “eu” ideal em que nos reconhecemos, na realidade, uma visão equivocada, que não corresponde ao corpo fragmentado que experimentamos. A busca do rapaz, nesse encantador road movie, pelo conceito de “voltar para casa”, reflete o exaurimento da esperança nessa sociedade narcisista. A pureza dele, ao final, sacrificada como expiação dos pecados do mundo. 

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