A Cura (The Cure – 1995)
O filme, dirigido por Peter Horton, é um dos mais tocantes que passaram na "Sessão da Tarde". Na trama, um menino, no amanhecer
ensolarado de sua vida, por causa de uma transfusão de sangue, contrai o vírus
HIV. Seu vizinho, alguns anos mais velho, é a única pessoa que não o enxerga
como um monstro a ser evitado, o único que, mesmo sem compreender a doença,
percebe a beleza da rosa sem olhar para os espinhos. É interessante a forma
como o roteiro trabalha a antítese de conduta entre as mães dos meninos. A mãe
do mais velho, uma mulher fútil, grosseira, deixa-o sempre sozinho, e, sem
pestanejar, debocha cruelmente do ex-marido na frente do filho, porém, como
todos os hipócritas, faz questão de desligar o videogame dele, afirmando que
aquela violência fará mal. O ato equivocado de projetar as falhas pessoais,
colocando a culpa no entretenimento, na necessária válvula de escape, algo que
ocorre ainda hoje, estimulado por profissionais irresponsáveis que vão a
programas sensacionalistas.
A mulher é incapaz de olhar para o filho na mesa de jantar,
detalhe que a câmera evidencia, enquanto folheia seu jornal. Ela chega a exigir
que o filho invente uma desculpa, caso o vizinho o convide para brincar em sua
casa. Uma adulta ignorante, estúpida, com a responsabilidade de educar uma
criança madura e emocionalmente inteligente; como é salientado subliminarmente
no roteiro, um caso clássico de parentalidade inconsciente. Em contrapartida, a
mãe do menino doente, vivida impecavelmente por Annabella Sciorra, é
brincalhona e despojada, sempre se jogando no chão para participar das
brincadeiras do filho. Gosto especialmente de uma cena, onde o menino mais
velho, conversando com o mais novo, afirma que sua avó contou que quem tem AIDS
vai para o inferno, evidenciando o fanatismo religioso dela. O raciocínio do
menino mais novo é fantástico: “Sua avó deve ser um gênio, porque o meu médico,
que é muito inteligente, disse que ninguém sabe o que existe após a morte”. De
forma elegante, utilizando como veículo a inocência de uma criança, o filme
desfere um golpe poderoso no absurdo dos dogmas religiosos, que, a despeito de
tantas descobertas diárias maravilhosas na área da ciência, com o impossível se
tornando possível, ainda se preocupa mais com a sexualidade de seus fiéis, algo
de importância tão ínfima. E essa ignorância, passada de geração em geração,
precisa ser interrompida. Que os humanos honrem o “sapiens” que sucede o
“homo”.
É emocionante a forma como o amigo tenta descobrir a cura em
medicamentos alternativos, com doces e plantas, colocando o garoto como cobaia
de várias experiências gustativas traumatizantes, com reações hilárias. A
dedicação se intensifica quando, ao folhear as páginas de um jornal
sensacionalista, encontra uma reportagem sobre um pesquisador que descobriu a
cura para a AIDS, uma manchete próxima a de um relato de um OVNI. A empolgação
dos meninos emociona a mãe, cada vez mais apegada ao amigo do filho. Quando ele
menos espera, em um descompromissado passeio no mercado, o garoto se choca ao
receber um beijo carinhoso daquela mulher, tão diferente de sua mãe. A forma
como ele reage, a constatação muda de um sentimento que nunca havia
experimentado em sua casa. A gratidão de uma mãe, feliz por ele querer passar
tempo com seu filho, brincando com ele sem nenhum cuidado especial, sem pena.
Aos olhos do garoto mais velho, não importava o que a sociedade dizia, o seu
melhor amigo nunca foi doente. Ao final, ele confessa para aquela mulher que
desejaria ter como mãe, sua frustração por acreditar que deveria ter tentado
mais encontrar a cura. A mãe, com o coração partido, abraça o novo filho,
afirmando que ele já havia sido o maior presente na vida do menino, que ficava
muito feliz em sua companhia, um cometa, de passagem tão breve, porém, cujo
impacto modificou profundamente a vida dos dois, para sempre.
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