sexta-feira, 17 de julho de 2015

"Porco Rosso", de Hayao Miyazaki

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Porco Rosso (Kurenai no Buta – 1992)
Esse é um projeto muito pessoal de Hayao Miyazaki, onde ele arriscou entregar um desenvolvimento nada formulaico e um desfecho enigmático, que muitos fãs do mestre japonês citam como um problema. Longe de ser um problema, o mistério é a beleza maior nesse intimista estudo de personagem, parte essencial da obra, simbolizado na mágica transformação do protagonista, uma bonita homenagem ao personagem de Humphrey Bogart em “Casablanca”. Um piloto que sobreviveu aos horrores da Primeira Guerra Mundial, tendo testemunhado a morte de vários amigos. Uma experiência brutalmente desumanizante, cujas cicatrizes podem ser percebidas, de forma mais sutil, no modo como ele se move, o cansaço existencial inegável em suas atitudes, uma complexidade que contrasta totalmente com a postura dos outros personagens, como se ele fosse o único elemento real inserido, como um paquiderme numa loja de cristais, naquele mundo de fantasia.

O fato de ele ser um porco é o que menos desperta estranheza no espectador. A superfície parece tola, uma comédia leve, mas há uma aura incômoda quase subliminar, propositalmente fora do tom, algo que toca diretamente o público mais velho, enquanto as crianças são presenteadas com a subtrama convencional, envolvendo batalhas aéreas e um antagonista caricatural. É como se o espírito altamente nonsense que está presente desde o início, com os piratas trapalhões sequestrando crianças, ou a competição absurda que se estabelece entre o porco e Curtis, culminando numa catarse pastelão, fosse o reflexo perfeito da estupidez de uma guerra. Dois adultos teimosos, numa longa troca de sopapos, ambicionando fama e dinheiro. Não há como abordar de forma refinada o estado mental de um veterano de guerra, nada faz sentido, tudo fica desfocado. Marco cansou de ser humano, ele foge de qualquer relacionamento com essa espécie, porém, enxerga esperança na figura adorável da jovem Fio, que sonha ser projetista de aviões, uma paixão compartilhada pelo diretor. Ele reconhece naquela impetuosidade inconsequente a coragem que o motivava na juventude. Talvez não seja o filme mais amado do diretor, exatamente por ser o único em que ele tenha ousado utilizar seu pessimismo, a sua preocupação com o futuro da humanidade, como motivo condutor da trama, ao invés de tentar entregar o produto que os fãs desejavam consumir, uma variante do mais do mesmo, como é usual na indústria.

Com a consequência física do trauma em Marco, Miyazaki critica o egoísmo do ser humano e o militarismo, uma mensagem poderosa antiguerra, que ele retomou, com maior contundência, em seu mais recente “Vidas ao Vento”. O personagem, que costumava ser um herói de guerra, decide se tornar um porco, escolhendo se isolar de sua sociedade, por não querer se tornar um fascista apoiador do militarismo patriótico da época. E, analisando um relato breve que o roteiro apresenta, sobre um dos feitos nobres do piloto na batalha, quando ele se arriscou para salvar um soldado inimigo, podemos perceber que o personagem apenas optou por se manter coerente, agindo de acordo com seus princípios. Sendo um porco, Marco nos mostra que os humanos, quando movidos pela ganância bélica, podem se tornar os verdadeiros animais irracionais. 

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