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Porco Rosso (Kurenai no Buta – 1992)
Esse é um projeto muito pessoal de Hayao Miyazaki, onde ele
arriscou entregar um desenvolvimento nada formulaico e um desfecho enigmático,
que muitos fãs do mestre japonês citam como um problema. Longe de ser um
problema, o mistério é a beleza maior nesse intimista estudo de personagem, parte
essencial da obra, simbolizado na mágica transformação do protagonista, uma
bonita homenagem ao personagem de Humphrey Bogart em “Casablanca”. Um piloto
que sobreviveu aos horrores da Primeira Guerra Mundial, tendo testemunhado a
morte de vários amigos. Uma experiência brutalmente desumanizante, cujas
cicatrizes podem ser percebidas, de forma mais sutil, no modo como ele se move,
o cansaço existencial inegável em suas atitudes, uma complexidade que contrasta
totalmente com a postura dos outros personagens, como se ele fosse o único
elemento real inserido, como um paquiderme numa loja de cristais, naquele mundo
de fantasia.
O fato de ele ser um porco é o que menos desperta estranheza
no espectador. A superfície parece tola, uma comédia leve, mas há uma aura incômoda
quase subliminar, propositalmente fora do tom, algo que toca diretamente o
público mais velho, enquanto as crianças são presenteadas com a subtrama
convencional, envolvendo batalhas aéreas e um antagonista caricatural. É como
se o espírito altamente nonsense que está presente desde o início, com os
piratas trapalhões sequestrando crianças, ou a competição absurda que se
estabelece entre o porco e Curtis, culminando numa catarse pastelão, fosse o
reflexo perfeito da estupidez de uma guerra. Dois adultos teimosos, numa longa
troca de sopapos, ambicionando fama e dinheiro. Não há como abordar de forma
refinada o estado mental de um veterano de guerra, nada faz sentido, tudo fica
desfocado. Marco cansou de ser humano, ele foge de qualquer relacionamento com
essa espécie, porém, enxerga esperança na figura adorável da jovem Fio, que
sonha ser projetista de aviões, uma paixão compartilhada pelo diretor. Ele
reconhece naquela impetuosidade inconsequente a coragem que o motivava na
juventude. Talvez não seja o filme mais amado do diretor, exatamente por ser o
único em que ele tenha ousado utilizar seu pessimismo, a sua preocupação com o
futuro da humanidade, como motivo condutor da trama, ao invés de tentar
entregar o produto que os fãs desejavam consumir, uma variante do mais do
mesmo, como é usual na indústria.
Com a consequência física do trauma em Marco,
Miyazaki critica o egoísmo do ser humano e o militarismo, uma mensagem poderosa
antiguerra, que ele retomou, com maior contundência, em seu mais recente “Vidas
ao Vento”. O personagem, que costumava ser um herói de guerra, decide se tornar
um porco, escolhendo se isolar de sua sociedade, por não querer se tornar um
fascista apoiador do militarismo patriótico da época. E, analisando um relato
breve que o roteiro apresenta, sobre um dos feitos nobres do piloto na batalha,
quando ele se arriscou para salvar um soldado inimigo, podemos perceber que o
personagem apenas optou por se manter coerente, agindo de acordo com seus
princípios. Sendo um porco, Marco nos mostra que os humanos, quando movidos pela ganância bélica, podem se tornar os verdadeiros
animais irracionais.
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